sábado, 27 de dezembro de 2008

O cubo mágico


Nunca tive um cubo de Rubik. Lembro-me do meu irmão ter um e de me terem dado um magic puzzle de Rubik. Parece-me lógico evitar dar a mesma prenda a 2 irmãos. Mas não se resumiu a isso. Sempre fomos diferentes. Ele teve aulas de viola e eu de piano. Ele frequentou aulas de futebol e judo e já eu andava no basket e na natação. Ele tinha um estojo com ilustrações de Fórmula 1 e eu do Moto GP. Ele quis e seguiu Direito e eu quis seguir Engenheria. Até aqui fui diferente ao não seguir nada. Não admira a falta de pontos em comum. Ele casou e teve dois lindos miúdos e já eu... bom, ainda ando a resolver algumas camadas do meu cubo.

Este Natal ofereceram-me um cubo mágico e com ele, uma alusão à vida.

Muitas vezes pensei sobre a vida. Sobre o meu percurso nesta nossa longa caminhada. E verdade seja dita que é dos momentos atribulados que melhor me recordo. Creio que é por serem os momentos mais marcantes. Ou pelo menos para mim foram. E agora que penso nisso, por si só, esta afirmação já diz muito acerca da minha vida. É através dos obstáculos que ultrapassamos, das divergências que fechamos em concordância e dos desafios que falhamos, que aprendemos e crescemos. Sim, também estes últimos, porque não aprendemos apenas com os nossos sucessos mas também com as nossas falhas. Porque a lição raramente se encontra no resultado mas na forma como lá chegamos. Nas alternativas que colocamos. Nas opções em aberto. Na postura com que enfrentámos cada uma delas. No raciocínio. Na pertinácia com que as acatamos.

Não são muitas as pessoas que me conhecem na íntegra. Mas gosto de me dar a conhecer. E sinto cada vez mais essa necessidade à medida que as pessoas se vão tornando mais importantes para mim.

"O quê? A sério? Não sabia... e tens seguido isso ou tenho de te dar um par de estalos?" - disse ele.

Gosto de conhecer pessoas. E para isso procuro gerar oportunidades que me levem a conhecê-las um pouco melhor. De promover convívio. Sem expectativas. Não é disso que se trata. Não procuro um fim mas sim um meio. E vivo e tento viver uma coisa de cada vez. Quem me conhece sabe isso. Quem não me conhece só vai compreendê-lo depois de me conhecer. Para me conhecer de facto... vai ter mesmo de querer.

E nestes momentos, encaixamos mais uma peça no seu lugar. Não sabemos se ela está no seu lugar certo nem até quando lá permanecerá. Se vamos precisar de mudá-la de sítio. A importância daquela peça é relativa. Apenas se pode medir no seu próprio tempo e espaço e a sua constância passa para segundo plano. O que faz sentido hoje poderá não fazer amanhã. Não existe linearidade na forma como resolvemos o cubo. O cubo é orgânico. Vive. E cada passo que damos representa um novo passo no interminável mar de possibilidades para uma potencial solução e abre-se um infindável leque de novas opções. Num universo tridimensional que conta também com a 4ª dimensão para a chegada da solução.

A própria forma como jogamos com o cubo muda consoante a nossa idade, a nossa experiência e acima de tudo, a forma como apreciamos o jogo em si. Fosse mais novo e estaria tentado em fazer batota. Poderia procurar um guião que me ajudasse. Poderia dar a alguém que o jogasse por mim. Ou poderia até desmontar o cubo e montá-lo de novo a meu proveito. Às vezes cedemos e desistimos. Queremos respostas. Ansiosos por entrar naquela última camada, procuramos caminhos rápidos e fáceis. Fazemos batota. Hoje em dia jogo-o com outro olhar. Mais sereno. Mais calmo. Mais calejado. Gosto de jogá-lo e não tenho pressa em chegar ao fim.

Sim, tem várias cores. Sim tem várias soluções possíveis. Ou melhor. Diversas equações para uma única solução possível. Porque solução existe apenas uma. Aquele momento em que numa última rotação conseguimos colocar as 6 faces homógeneas. É esse o seu desfecho. É esse o desfecho da vida. E como não é nessa única certeza que temos na vida que reside a nossa alegria, então podemos apenas assumir que os prazer de viver se encontra nessas equações. Nesse caminho a percorrer. Nos tais obstáculos que existem não para nos assustar nem para gerar receio mas apenas para nos testar e recordar o porquê de estarmos ali. Para nos lembrar que merecemos estar à altura.

Sou paciente. Sei esperar. Sei lutar pelo que quero. A vida ensinou-me isso e muito mais. Ensinou-me também que a aprendizagem nunca cessa. Que as desilusões e as frustrações nunca terminam mas que não devemos desistir por medo de passar por elas. Nem o medo de falhar. Tornam-nos mais fortes. E enquanto experiências de vida enriquecem-nos e permitem-nos saborear de outra forma todas as outras alegrias. Já há muito tempo que deixei de ter medo. Que aprendi que sou eu quem determina o meu destino.

O medo não é a linha ténue entre os obstáculos e a minha realização pessoal. É a experiência. É a dualidade entre a vontade e perseverança face à história e ao cansaço. É a experiência que acarreta o pragmatismo. Que mata a cor e que deambula em graus de cinzento. E é essa luta constante que se confunde com a falta de vontade genuína. Que assume outras caras. Que confunde.

Comecei a jogar. É uma primeira camada do jogo. Conquistar uma face. O quadrado branco. Depois disso logo se verá.

Na vida só há uma certeza. A solução. Se esse grau de incerteza pode ser caracterizado como esperança? Duvido. Esperança requer fé. E não necessito de fé para com convicção afirmar que a vida é incerta. Que a esperança me ajude a viver com essa incerteza? Isso sim... concordo. 

Infelizmente nem tudo na vida é comparável ao cubo. Tento jogá-lo bem, apreciando cada rotação e não me focando tanto em terminar.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Bi

Já te disse que te amo? Da falta que me fazes?

Não me pude despedir de ti. Eles não deixaram. Sabes isso não sabes? Fiquei uns dias em casa dele e foi tão estranho quando ele me foi buscar para retornar a uma casa sem ti. Sabes o que ele me disse? Sabes como foi quando me contaram?

Vou ser egoísta. Preciso de ser. Eu tinha 11 anos. Sabes o que me fizeste? Sabes como me deixaste? Deixaste-me sozinho... sim, sozinho. Ainda demorou um tempo até perceber isso. Mas eu nunca tive uma família. Só te tive a ti. Elas bem o disseram. Eu ouvi mas não escutei. Ou não quis escutar. Não percebia porque elas diziam que ele me ia enviar para o meu pai. Como assim? Não fazia sentido nenhum. A minha família não era esta?

Sabias que a dada altura já não me interessava viver mais? Sabias que quase desisti? Percebeste o que me ia na alma? No coração? O quanto a vida não fazia sentido sem ti? Odeio ter-me habituado. Odeio não precisar tanto de ti como antigamente. Sinto que em muitas coisas parei naquele tempo.

Hoje tenho outra família. Aquela que deveria ter tido desde sempre. Passaram-se anos mas finalmente encontrei-os. E encontrei a minha querida avó. Estás com ela? Toma conta dela que também a adoro. Tive tão pouco tempo para estar com ela. Ela era como tu. Uma santa. Uma querida. Um amor de pessoa. Tomem conta uma da outra. Eu sei que vocês davam-se bem.

Sabias que ele me bateu? Por querer ir aos anos do meu melhor amigo? Sabias que me atirou à cara ter perdido um negócio quando eu ainda estava de cama a recuperar da quimioterapia? Por me ter ido buscar ao hospital? Ele fez-te o mesmo? Viste como ele nos tratou? Viste o que ele fez? Não percebo. Juro que não percebo. Não percebo como estavas com ele.

Lembras-te que passados uns dias ouvi o teu sino? Eras tu? Estavas lá? Como quis que estivesses apesar do assustador que isso possa soar. Às vezes ainda te procuro na escuridão. Atraso o acender da luz para ver se apareces mas nunca estás lá. Procuro a fé que tinhas e que perdi única e exclusivamente para me sentir mais próximo de ti.

Já raramente rezo. Há uns tempos rezei. Pelo pai dela e pela minha avó. E tal como quando rezei por ti, não resultou. Sinto-me de novo um filho abandonado. Sabes que o odeio não sabes? Que por muito que o tente ignorar ou fingir que não existe... continuo a precisar dele para nele depositar o meu ódio. Neles a bem dizer.

Agora apercebo-me que te estou a tratar por "tu". É estranho. Nunca aconteceu em vida e provavelmente nunca viria a acontecer. Mas neste momento não me faz sentido ser de outra forma. Importas-te? Sinto-me mais perto de ti assim...

No outro dia chorei. Não sei porquê. Não conseguia sequer falar. Estava a tomar banho e comecei a chorar. A pensar em ti. A pensar em nós. Ela estava lá para me confortar e acho que ninguém o teria feito melhor que ela. Ela compreende-me. Ela sabe. Eu contei-lhe. Deixei-me cair na banheira enquanto enchia e perdi noção do tempo. Queria que voltasses.

Às vezes penso em ti. Penso na falta que me fazes. Estás triste comigo? Estás desiludida? Tenho medo da resposta. Tento viver com o que me ensinaste, com os princípios morais e cívicos com que me educaste e receio nem sempre viver de acordo com as expectativas. Penso na pessoa em que me teria tornado se não me tivesses deixado.

Tantas vezes senti a tua presença. Tantas vezes senti que continuavas a tomar conta de mim. Que continuas a olhar por mim. Mas isso não me chega. Quero poder abraçar-te. Dar-te um beijinho de manhã antes de sair de casa.

Lembras-te quando me ias buscar à natação? Levantavas-me e punhas-me em cima do banco e enrolavas-me na toalha. E quando estava seco davas-me sempre aquele tupperware azul com mini palmiers ou sortidos húngaros. Ou quando me preparavas o pequeno-almoço. Pensal. E quando me deitaste pimenta na lingua por ter dito um palavrão? Lembro-me que nunca mais repeti... enquanto foste viva.

Já viste os teus netos? Estão lindos não estão? Sabias que te vejo neles? E no pai... sim no teu filho. No outro dia fui a casa dele e vi uma foto de vocês os dois. Como foi bom ver a tua cara de novo. Estavas linda tal como sempre te recordei. Lembras-te de quando íamos para a missa e caíste? E eu não te consegui levantar e chorei? Lembro-me também da nossa viagem a Londres, do Madame Tussauds, do hospital e das tuas amigas.

Preciso de te pedir desculpa. Preciso de te dizer que estou arrependido de não te ter ido ver mais vezes ao quarto. De não te ter dito vezes suficientes que te amava e que nunca te poderia retribuir tudo o que fizeste por mim. Por me ter deixado ir abaixo e não ter seguido o caminho que querias que tivesse seguido. Vês? Já estou a chorar outra vez. Fazes-me tanta falta.

Tenho saudades tuas. Amo-te.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Tudo o que é bom acaba



"Que dizes a um almocinho... estilo consoada na praia?" - perguntou ele.

A ideia pareceu-me desde logo óptima. Já tinha saudades de estar com eles. Lembrei-me da Arrifana,  do surf, do mar, de copos e churrascadas. Contem comigo!

"Então tio desaparecido. Esqueceste-te de nós?" - escreveu ele.

Não me esqueci de vocês meus queridos. Infelizmente estava a trabalhar e não me parecia que fosse conseguir sair a tempo de vos ir visitar. A noite parecia não ter fim. E com ela o projecto em mãos. Pensava agora no almoço do dia seguinte e a que horas teria de acordar. Bebia outro café e continuava. E com isto as horas passaram e o sol nasceu.

"Tou... sou eu. Então? Esqueceste-te do almoço?" - perguntou ela.

Quem? O quê? Ainda demorei uns bons minutos a perceber com quem tinha estado a falar. Parecia que tinha sido atropelado por um camião. Olhei para o relógio e compreendi o porquê. Eram 13:00 e tinham-se passado cerca de 4 horas desde que me tinha deitado. A custo levantei-me, movido pela saudade, e fiz-me à estrada rumo à praia.

Lá se encontrava a mítica "pão de forma". À volta dela, o grupo do costume e um par de caras desconhecidas. As pranchas enceradas e estendidas à volta da carrinha serviam de porta estandarte. As espetadas e as salsichas acabadas de sair da grelha circulavam e não se passaram dois minutos sem ter um copo de vinho na mão. Tudo o que era preciso estava ali. Um grupo de amigos, um grande ambiente de convívio e borbas para dar e vender.

"Já viste o que me deram no amigo secreto da empresa?" - dizia ele sorrindo e apontando para a cabeça.

Confesso que não sou grande apreciador de bonés mas aquele era um status! Se encontrar igual mas em preto... compro um. Uma GS é sempre uma GS.

Falámos de surf e do mar. De uma suástica que afinal não existia. De uma cruz maltesa que se assemelhava à do barão vermelho. Das viagens de mota a Marrocos, à Escócia e ao sul de França. Dos lobos da neve e daí para a neve em si. De quem vai e de quem foi. Da economia de direito. Das histórias da vida de cada um. E comíamos e bebíamos com gosto...

"Onde é que anda o fotógrafo?" - gritou ele.

As horas passaram e chegava a hora de dispersar. A "família" juntava-se agora para a foto de grupo. Coloquei a máquina em cima de um dos carros e corri. Despedimo-nos e infelizmente...

...tudo o que é bom acaba!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Veni, vidi, vici...


O dia de hoje foi bem mais curto do que é habitual. Talvez justificado pela noite prolongada de ontem. Mas acerca dessa prefiro nem falar. E até nem é por não querer. É mais por nem saber por onde começar. Pelos "dinamites"? Digo apenas que mais uma vez as festas da empresa estiveram ao mais alto nível.

"Tens 2 meses para te preparar..." - disse ela a rir-se.

Cheirou-me a desafio. Percebi que se referia ao braço e à incapacidade de conseguir jogar nos próximos tempos. Em tom de brincadeira disse-lhe que já estava preparado há anos. Quanto muito poderia era passar 2 meses a aquecer. É claro que se ela for em ping-pong metade do que é em padel... estou bem tramado. Bom. Pensando melhor, é melhor ir treinando.

"Encontramo-nos no liceu francês." - disse eu.

Parece que ele lá conseguiu convencer o cunhado a aparecer com uma carrinha grande o suficiente para levarmos a mesa. Dito feito. Fomos os 3 à Decathlon, comprámos a mesa e ele ainda comprou uma raquete "especial de corrida". Verdade seja dita que até à data a raquete não tem abonado a favor.

Quando chegámos à Fullsix, começámos a montar a mesa e mandámos vir pizzas. A noite prometia ser longa. E quando acabámos de montar a mesa, a excitação era tal que nem a tirámos do lugar. Onde estava foi onde ficou. Pelo menos nos 3 ou 4 primeiros jogos. Num laivo de racionalidade e inteligência, acabámos por admitir que na entrada é que se jogava bem e assim foi. A nostalgia e o vício do jogo impelia-nos a continuar a jogar cada vez mais. Estávamos cansados mas não conseguíamos parar de jogar.

"Vá... este é mesmo o último!" - dizia ele pela sétima vez.

Há quem lhe chame a "mesa do César". Não deixo de achar piada e rir-me, mas acabo sempre a refutar a ideia. A mesa não é minha. É de todos. Mesmo daqueles que não contribuiram para ela. Combinam-se agora torneios, desafiam-se uns aos outros e há até quem tenha começado a almoçar sandes para chegar à mesa primeiro.

"Bom. Ainda bem que me convenceste a comprar uma rifa!" - disse ela enquanto segurava no filho.

Se é um sucesso? Acho que sim. Acho que olhando para trás todos estão contentes por se terem deixado levar na conversa da rifa a 1 euro. Ela pelo menos tem de estar visto que aquelas 2 rifas lhe valeram o primeiro prémio. Rio-me. Penso se ela não preferia ter abdicado do prémio e evitado toda a exposição a que esteve sujeita.

"Sr. César... se me der 20 de avanço vou lá acima jogar consigo." - disse ele.

Os próximos passos? O próximo objectivo? Acho que ainda temos um bom caminho a percorrer. Eles falam das mais variadas coisas, desde o saco de boxe à mesa de bilhar, passando pelas humildes setas ou até pelo mini-golfe. Até que ponto são ou não viáveis... isso logo se vê. Uma coisa é garantida: vou continuar a dar voz ao que todos querem e a tentar torná-lo possível. 

domingo, 14 de dezembro de 2008

Os amigos do garfo


Eram 10 da manhã. A chuva e o vento teimaram em aparecer, mas nem mesmo estes nos demoveram de um último passeio. Tínhamos tudo o que precisávamos: a companhia de quem já partilhou muitos e bons quilómetros e um roteiro gastronómico.

"Vai desejar salmonete? Robalo? Dourada?" - perguntou ele.

Já não o via há algum tempo. Não desde que foi morar para a Polónia. Da última vez que estivemos juntos fomos os três almoçar a Rio Maior. Depois veio o acidente... e nunca mais o vi. Foi bom vê-lo e dar-lhe um abraço. Foi bom ver que estava bem e pronto para mais curvas.

"Se quiserem... ficam em minha casa em Londres e depois seguem!" - disse ele.

Falávamos da viagem à Escócia. Não era uma viagem nova. Já tínhamos considerado esta viagem no ínicio do ano, assim como a viagem a Marrocos. Infelizmente, nenhuma das duas se concretizou. O nosso presidente ausentou-se durante uns meses e verdade seja dita que isso fez toda a diferença. Faltou-nos um elo agregador. Uma peça basilar do nosso motoclube. Os encontros semanais na sede passaram a ser mensais e os ânimos motociclísticos deixaram-se esfriar com o tempo. 

"Vai desejar salmonete? Bica? Carapau?" - perguntou ele.

Salmonete. Confesso que apesar da viagem em si me entusiasmar, o facto de a quererem fazer em apenas uma semana me deixou meio apreensivo. Ao contrário deles, não acredito que se faça facilmente. Ou melhor... não é que não se faça, mas será garantidamente uma viagem a "devorar" quilómetros. Uma média de mil quilómetros diários? Durante sete dias? Quero visitar lugares e conhecer pessoas, comer e beber bem, assimilar culturas, tirar fotografias, quero repousar... quero memórias e experiências. Não procuro uma viagem frenética cujo expoente máximo seja a vanglória dos tempos e quilómetros percorridos. Não. Para isso não contem comigo. Não estou para aí inclinado.

"Vai desejar salmonete? Espada branco? Ovas? Salmão?" - perguntou ele.

Salmonete. Pensei no sul de França. Lembrei-me de um filme que havia visto há uns meses atrás, que apesar de se passar na California, traduzia quase na íntegra aquilo que procurava. Fiquei de pesquisar sobre isso. Sim. Soa-me bem. Salmonete. Uma viagem de uma semana pelo sul de França, turismo rural, visitar os "chateaux" e os campos vinícolas, cultivar-me em provas de vinho e na famosa gastronomia da região. Tirar muitas fotografias e fazer muitos quilómetros. Aproveitar as curvas dos pirinéus. Salmonete. O melhor de dois mundos.

"Vai desejar salmonete? Choco? Polvo?" - perguntou ele.

Salmonete. Por esta altura interroguei-me no porquê de salmonete ser uma constante. As migas de coentros e beterraba estavam uma delícia. A batata cozida e a salada traziam harmonia à mesa. E os jarros de vinho? Um era demais e 1000 não chegavam! Sei que te estás a rir...

"Vai desejar..." - e tive de o interromper com um redondo não!

Penso agora na velha máxima "Live to ride, ride to live" e traço um novo paralelismo com o que julgo todos sentirmos. Conduzimos como vivemos. Não se equipara a importância do destino ao caminho percorrido para lá chegarmos. São as estradas que nos movem e conduzem. É nos trilhos sinuosos que encontramos prazer. Uma adrenalina que nos faz sentir vivos. É quando paramos que medimos na extasiada expressão de cada um a qualidade de um novo troço. E frequentemente voltamos a visitar terras e lugares por causa das suas "curvas".

"E vais com este tempo?" - perguntou ela.

E porque não?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

E o próximo vai para...



"Obrigado, obrigado, obrigado... obrigado, obrigado, obrigado!" - dizia ele baixinho para o microfone, à medida que fazia vénias para um público extático.

A noite não começava das melhores formas. O stress do costume. Nós a querermos sair e os pedidos de alterações por parte dos clientes a chegarem. Muitos haviam já descido para a tradicional cerveja, outros seguido o seu caminho... e nós os 5 havíamos ficado para trás. Havíamos... salvo seja. Confesso que fiquei mais pela companhia do que propriamente pelo trabalho. Já eles...

"Eles este ano esmeraram-se... ora aí está uma bela produção!" - disse ele.

Trabalho terminado, era hora de seguir para a festa. Eles já não tinham cabeça. Compreendi... mas foi pena. Tinha sido bom irem. Era uma forma de verem o nosso trabalho reconhecido.

"Alguém sabe como é que se vai para lá?" - perguntou ele.

Chegámos. Os gin tónicos começaram rodar. Foi bom encontrar caras há muito perdidas, um dedo de conversa e venha lá outro gin tónico. A música de Vangelis e o levantar das cortinas revelava agora um ringue de boxe. O ringue onde todas as agências de marketing se iriam defrontar na incessante busca pelo prémio final. O prémio da noite. O cinturão dourado.

"Nunca mais nos chamam? Mas afinal estávamos nomeados para quantos?" - perguntei eu.

Ela levantava os ombros e acenava com a cabeça indicando desconhecer. As nomeações continuavam. Os sapos desapareciam. E nós... nada.

"E os nomeados são..." - dizia ele alto e em bom som.

Era agora. O momento esperado. O momento pelo qual havíamos aguardado toda a noite. E não foi com surpresa que ele chegou. Que o acolhemos. Tínhamos todos trabalhado para isto.

"Eu não vou... achas? Não contribuí em nada para isto... mas compreendes, certo?!" - dizia ela com a sua habitual formalidade.

Disse-lhe que sim. Para ser sincero... não sei se compreendo. Pensava em mim mesmo um ano antes. Isso não me havia impedido de subir ao palco.

Ele continuava a desferir murros e pontapés no saco que haviam colocado para esse fim no meio do ringue. O que nos ríamos. A noite era nossa. 1 bronze, 1 prata e 7 ouros, entre eles o prémio da agência do ano 2008.

Parabéns Fullsix.

domingo, 23 de novembro de 2008

Shrek


Titan, Tiger, Manucha, Rambo, Safira, Mouse, Xira, Sabú, Caniço, Velo e Nino.

Entre outros, estes são os cães da minha vida. Pastores Alemães, Dobermans, Boxers, cruzados e 1 cachorrinho Rotweiller de que nunca me irei esquecer. E agora o Shrek. É certo que o Shrek não é meu... mas sendo dos meus sobrinhos, é como se fosse. Não deixa de ser da "família". O mais recente membro da família. Adoro cães. Aliás... amo cães. Custa-me actualmente não ter um mas assim que tiver espaço... é garantido.

Durante meses ouvi os meus sobrinhos a pedirem um cão e várias vezes ouvi o meu irmão e a minha cunhada resistirem à ideia. Finalmente, acabaram por ceder. Infelizmente, este pedido acabou por se revelar mais como um capricho do que propriamente um acto de necessidade, carência ou amor.

"Mas sabes... ainda assim acho que tá a ser bom para ele. Sabes que ele tem medo de cães, não sabes?" - perguntou ela.

Por acaso não. Não sabia. Não me recordo tão pouco de ele ter tido alguma experiência com algum cão que lhe pudesse ter incutido qualquer tipo de receio. Eu lembro-me perfeitamente de ter sido mordido duas vezes por cães em miúdo e nunca tive medo deles.

"Quando brincares com ele... dá-lhe uma recompensa!" - disse eu.

Eles brincavam agora com o Shrek no chão da cozinha. Por momentos foi como se não existisse mais nada. Deixei-me ficar sentado a olhar para os 3 a brincar com a garrafa de água. E sorri.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Hodgkin - parte I

Lembro-me, ainda que vagamente, de algumas das caras. Mas mais do que caras, lembro-me das circunstâncias que nos uniram, dos episódios que nos marcaram. Lembro-me dele mais do que de qualquer outro. Será por termos partilhado um quarto? Será por ter sido o meu primeiro amigo de cor? Ou seria por ter apenas uma perna? Pelos gritos de dor e sofrimento não foi... porque naquele sétimo piso, foram raras as noites em que não houvesse alguém a gritar por alguém.

Era noite e recordo-me nitidamente de estar cansado. Talvez já me devesse ter ido deitar. Mas era miúdo. E nessa altura tentava sempre ficar acordado até um pouco mais tarde. Fazia-me sentir adulto. Tinha nesta altura 12 anos. Entrei na sala e dirigi-me ao sofá de dois lugares. O meu irmão via televisão como habitualmente àquelas horas. Eu fazia o mínimo barulho possível para que ele não desse por mim. Talvez assim ele não me mandasse para a cama.

"Vai-te deitar. Amanhã é dia de colégio..." - dizia ele.

Normalmente fingia não ouvir. Ou então pedia para ficar apenas mais 5 minutos. Não nessa noite. Nessa noite eu não desci para ir ver televisão. Não desci por querer companhia. Não desci para ficar acordado até mais tarde. Não. E definitivamente estava longe de me querer tornar mais adulto. Entrei na sala. Sentei-me no sofá... e gradualmente deixei de respirar.

Lembro-me dele a gritar pelo meu nome, de colocar-me aos ombros, de descermos para o carro. Recordo-me de entrar nas urgências do hospital, de me colocarem numa maca, administrarem oxigénio, fechar os olhos... e acordar. Ainda estávamos na mesma noite. Não sei quanto tempo passou mas garantidamente era a mesma noite.

"O seu irmão teve um ataque de asma. Entretanto as análises ao sangue revelaram também estar com uma anemia por falta de ferro. Vamos mantê-lo esta noite por cá para fazermos mais algumas análises." - disse o médico.

Mal abria os olhos. Já há muito tempo que a minha asma não se manifestava. E nunca com esta violência. Havia deixado os vaporizadores e inaladores há já uns anos. Também já não frequentava o médico da asma. As aulas de natação tinham ficado para trás. Teoricamente a asma deveria ser problema do passado. Fiquei essa noite no hospital para observação...

"Houve uma complicação e infelizmente perdemos algumas das análises. Seja como for, existem alguns exames que gostaríamos de repetir, para clarificar uma possível situação." - disse o médico no dia seguinte.

Impressionante a forma como a nossa memória funciona. Consigo lembrar-me deste tipo de pormenores passados cerca de 17 anos. E quem me conhece sabe que eu mal me lembro do que jantei na noite anterior. Passados dois dias no hospital, chegou um diagnóstico para o qual o meu irmão não estava preparado. Não de novo. Não tão cedo.

"Como é que isso se pronuncia?" - perguntei.

Fui transferido para o IPO. Para o sétimo piso... departamento de pediatria. E foi aí que o conheci. Estava sempre a rir-se. E apesar de ter apenas uma perna, era dos que mais "corria" naquele corredor. Ficámos no mesmo quarto juntamente com mais 4 miúdos. Lembro-me mais das cicatrizes de cada um do que propriamente das feições. Nomes, esses, perderam-se com o tempo. Destes últimos não guardo recordações claras. Mas acho que é normal. Aquelas camas ao nosso lado tiveram uma rotatividade invejável. Talvez por não serem casos tão graves.
Esta era a minha nova casa. E nesta altura, eu ainda mal sabia o que esperar...

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Jogar com tranquilidade



Sinto-me estranho. De há algum tempo para cá que me sinto diferente. O motivo, esse, não é nenhum mistério. É suspeita. E não se trata de um acto isolado mas sim de uma conjuntura. E apesar disso não encontro simplicidade no porquê. Apenas deixo de ser eu. Por momentos passo a ser esta outra pessoa de quem não gosto. Frio e estranho

"É impressão minha ou parece que acabaste de congelar?" - perguntou ele.

Talvez. Ela seguia agora na direcção oposta... alheia ao comentário. Agora que penso nisso apetece-me rir. Logo ele que não se conforma em ver-me de t-shirt na rua à noite. A verdade é que ele já me conhece o suficiente ao ponto de saber que congelei. Fico calado. Evito olhar para os olhos de seja quem for. E ali à frente de todos, o meu "eu" outrora extrovertido, esconde-se, subjugado pela inerente irracionalidade do que sinto. Sinto-me frio e estranho.

"Mas o que é que te passou pela cabeça para fazeres isso?" - perguntou ela.

Não sei. É que não sei mesmo. E ao mesmo tempo interrogo-me sobre o que acabei de fazer. Ela ria-se. Não vejo maldade nem animosidade no meu acto. Foi somente um desabafo. Repercussões? Não sei... é capaz de haver. Olho para o telemóvel na vã esperança de encontrar uma resposta. Uma palavra que seja. Continuo frio e estranho.

"Vais ter de assumir isso!" - disse ela.

Logo se vê. Não sou de fugir às minhas responsabilidades. Já adiá-las... essa é outra questão. Se assumo o que fiz e o que disse.... eventualmente. Mas neste momento julgo não estar com capacidade para confrontar o que quer que seja. O frio dissipa-se... a estranheza perdura.

"Tem calma. Amanhã falamos melhor e logo me contas." - disse ela.

Não! Tou cansado. A sério que estou. Já não me identifico com a causa. São as pequenas coisas que se vão acumulando que mais moem. Não vou compactuar com atitudes deste género. Não quero. Que falta de senso e consenso. E até que estava a começar bem. Por esta altura já nem me lembrava porque havia estado com frio ou sentido estranho.

"Gostei da tua atitude. Vá lá... alguém finalmente falou." - disse eu.

Ele olhou para mim e esboçou um sorriso. Ele sabia do que eu estava a falar. Quando entrei no balneário houve quem me abraçasse. Fiquei contente. E momentos depois sentia-me de novo parte de algo. Mas também foi sol de pouca dura. Já não sinto frio.

"Sinto-me estranho." - escrevi eu.

E a resposta que eu esperava... essa nunca chegou.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Ela disse padeleiros?


Adoro ténis. Tudo começou com as aulas que tive no colégio em miúdo. Joguei durante 2 ou 3 anos e embora não estivesse entre os melhores jogadores do Planalto, fui um dos que participou num torneio regional. Foi algo que nunca deixei de fazer.

Os anos foram passando e fui sempre encontrando alguém com quem jogar. Quando não jogava no colégio, jogávamos os três em monsanto. Eu, o meu irmão e ele. Volta e meia também ele trazia o irmão mas nunca jogávamos a pares. Nunca gostei de jogar a pares. Verdade seja dita que nessa altura eu também não era propriamente um "team player". Isso foi algo que apareceu mais tarde.

Mais tarde também, comecei a jogar com ela. Adorava jogar com ela. Éramos equilibrados o suficiente para ser motivador e ela jogava um pouco melhor que eu. Apenas o suficiente para me sentir desafiado.

"Vou ter um bebé!" - disse ela.

Impressionante. Acreditem ou não, a primeira coisa que me ocorreu foi com quem é que eu iria começar a jogar ténis... e só depois é que me lembrei de lhe dar os parabéns. Nunca jogámos a pares e ainda bem.

"Bom... vais levar um banho de bola! Tu não tens noção." - dizia ele.

Eu ria-me. Estava contente porque sabia que talvez ali estivesse novamente alguém com quem voltar a jogar. Não fazia a menor ideia das suas capacidades dentro do campo mas, independentemente disso, nunca me ocorreu ser melhor que ele. Estava a picá-lo. E ele é tão fácil de picar. Continuámos a jantar. Ela ria-se. Também ela ia jogar nesse dia. Mas não connosco. Fazíamos apostas sobre quem seria melhor. Dois galos dentro do mesmo poleiro. Continuámos a jantar e seguimos para o bairro.

"Ouve. É que é já amanhã. Aceitas?!" - perguntou ele em tom de desafio.

Estávamos no bairro alto. Perdia-se a conta a quantos "dinamites" e imperiais havíamos bebido. A manhã aproximava-se e escusado será dizer que no dia a seguir, nenhum dos dois estava em condições de falar sequer, quanto mais jogar um jogo de ténis. Adiámos o jogo. Foi um acordo mútuo de cavalheiros.

Ping pong. Adoro. Desde sempre que me lembro de termos mesa de ping pong em casa. Não em Lisboa. Na praia grande. Também ele tinha mesa em casa e era lá que habitualmente nos juntávamos para jogar. Eram sempre alternadamente snooker e ping pong. Nem sei se é possível jogar ping pong a pares. Seja como for... também nunca aconteceu.

"É possível..." - disse ela - "...ping pong a pares!"

Sorri. Achei piada.

Raquetes de praia. Gosto. Sempre que posso jogo.. Infelizmente nem sempre se arranja quem esteja disposto a jogar. Mas quando se proporciona, sabem que podem contar comigo... desde que não seja a pares.

Padel... hein?! Padel quê? E tem mesmo de ser a pares? Nunca tinha ouvido falar de tal coisa até começar a trabalhar na Fullsix. Mas também seria uma questão de tempo tendo em consideração a posição deles neste meio. Eles organizaram estas 2 horas e posso dizer que gostei. E gostei de ter jogado a pares. De ter uma equipa. Aliás, gostei muito mesmo. Eu e todos os que lá estiveram. E quero repetir.

Sinto que ainda prefiro o ténis. Ao mesmo tempo, sinto também que ainda não dei tempo suficiente a esta nova modalidade, para crescer, dominar e para me habituar a ter um par... e paredes!

Ele suava. Pingava. Adorei ter feito equipa com ele em todos os jogos. Em 7 jogos perdemos somente 2. E ele estava furioso com isso. Eu ria-me e dizia-lhe para se acalmar. Lembrava-me daquela noite em que ele havia dito que me ia dar um "banho de bola" e agora aqui estávamos nós... mas do mesmo lado do campo.

"Bom, já vi que contigo... perder nem a feijões!" - disse eu.

Ele lá acabou por soltar um sorriso. Tínhamos tido uma grande noite. Tinha sido uma excelente primeira experiência. Estávamos cansados e desejosos de chegar a casa... mas também com muita vontade de voltar!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

La crème de la crème

"Às vezes, pareces bruto e distante para esconder os teus sentimentos." - disse ela.

Repliquei ser verdade. Mas pensando melhor, talvez não devesse ter sido tão peremptório na resposta que dei. Não por receio ou vergonha, até porque a subscrevo com relativa facilidade, mas por não ser aquela uma verdade linear.

Uma verdade linear... retiro. Removo. Desaprovo. Por si só já se trata de um contra-senso. A verdade não tem como não ser una e como tal linear. A linearidade aqui não se prendia à verdade mas sim à afirmação que a confrontava. Mas também é preciso analisar o contexto em que tal afirmação surgia. Não se tratava de uma acusação.

"Tá aqui uma colega a falar de signos. Qual é o teu signo?" - havia ela perguntado momentos antes.

Quem me conhece sabe que pouco ou nada ligo a isso, chegando mesmo a fazer troça de quem acredita. Saturado das mil e uma opiniões de quem acredita nos alinhamentos dos astros, nas linhas da vida nas palmas da mão, nos cristais de energias e nas mezinhas e poções de amor e fortuna, respondi-lhe:

"Caranguejo. Serpente. E a que conclusão chegaste?" - perguntei por fim em tom de escárnio.

O primeiro comentário foi sobre o quanto eu me entregava à família. Não é mentira nenhuma. É dos bens mais preciosos que tenho. Principalmente a minha família por criar. Sem a conhecer e é já por quem luto. Mas daí a dizer que tal virtude seja pertença exclusiva daqueles que partilham do mesmo signo que eu... parece-me no mínimo redutor. Muito bem... idiota! Sim aplica-se a mim. Assenta-me que nem uma luva.

Há muitos anos atrás, um amigo meu disse-me algo de que nunca mais me esqueci:

"Como amigo não tens nada a apontar, antes pelo contrário. Não há muitos amigos como tu... mas como namorado és uma besta!" - disse ele.

Muita coisa mudou desde então. Acho que acabou por funcionar como um alerta. Passei a ter mais tento na forma como me expressava. Tentei ser menos arrogante, menos prepotente, mais calmo e sensível às susceptibilidades de quem me rodeava. Há quem diga que falhei. Eu, bom... eu acho que estou bem melhor.

"Hummm... elitista... estou a ver." - disse ela. - "Não, não... mas compreendo."

Desta é que não estava à espera. Não sei o que me confudiu mais. Se ser chamado de elitista ou se ela dizer de seguida que compreendia. Mas sim. Sou de certa forma. Ou melhor. Não me vejo tanto como elitista mas como "seleccionista" se é que tal termo pode ser empregue. Selecciono friamente com quem me quero dar. Selecciono círculos e evito misturá-los. Admito ser em parte calculista na forma subsconsciente com que o faço. Até porque a história me ensinou a não o fazer. Mas como se pode rotular alguém de calculista se o cálculo em si é inconsciente? E como pode ser inconsciente se neste momento, pleno dos meus sentidos, indago?

Gosto de "nichos" sociais. Talvez porque acabem por funcionar como redes de salvação. Para as quais saltamos enquanto outros se desmoronam. Ou porque posso ser várias pessoas. Mas isso também pode ser mau não é? Ser várias pessoas... 

Será esta minha defesa a força que me impede de me encontrar? Quantas pessoas sou? Não sei. Sinto que sou várias e contudo cada vez menos. Será que é isso que acontece quando crescemos? Quando amadurecemos? Sermos menos?

E no fim... sermos um?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A guerra dos 3 dias

Ela tinha razão. A vida é demasiado curta.

"Tás parvo? Que coisa mais estúpida... achas que é por aí? Tu também passas logo do 80 para o 8..." - disse ele.

Fiquei parado. A expressão era familiar, mas ouvi-la ao contrário baralhou-me, e bloqueei. Não me lembro se na altura achei se ele tinha razão ou não. Eu também já deveria estar preparado para isto. Havia tomado uma decisão e cabia-me a mim levá-la a bom termo.

"Mas isso foi uma aposta? Foi com ele que apostaste isso?" - disse outro.

Não. Não foi uma aposta. Foi uma estúpida tentativa de me convencer de que seria capaz. Que eu seria mais forte. Que não sucumbiria ao desejo. Mas vê-los ali, cada um com a sua, fresca, loura, borbulhante... que sede.

"Ok, traz-me uma também..." - disse resignado.

Pensei em tudo o que me haviam dito para me sentir melhor. Sim. Eles têm razão. Não iria ganhar nada com isto e não era por deixar de beber cerveja durante um mês que iria provar nada. E teria sempre de ser gradual. Pois... eles têm razão. Que estupidez. E dei outro gole.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Verde azul


Piscina do Lago Azul em Vilamoura: foi onde o meu irmão me ensinou a nadar. Clube Naval em São Miguel: foi onde o meu pai me ensinou a fazer apneia. Fonte da Telha: foi onde mergulhei pela primeira vez. Berlengas: é hoje em dia o meu local de eleição para mergulhar em Portugal. Mar Vermelho: é até hoje o meu ponto de referência como paraíso subaquático.

Lembro-me do "kit" de modelismo do navio do Jacques-Yves Cousteau. Do pequeno submarino amarelo. Dos calções vermelhos com a baleia azul à frente e do quanto odiava quando ela os tirava deixando-me nu. Das 4 latas de Coca-Cola no fundo da marina e de ir buscá-las sem máscara. De saltar da prancha de 5 metros de altura em Vale de Navio. De ter medo de tirar as braçadeiras. De ter tentado e falhado em fazer ski aquático. Dos passeios de barco até ao Bugio. Da mota de água em Castelo de Bode. De esperar sozinho no barco pelo meu pai. De me sentar na praia e perder-me no horizonte. Do Nazaré. Desde sempre e para sempre. Amo.

Já tínhamos falado uma vez sobre isso. Sobre ir "surfar" com ele e o resto da malta. Foi coisa que nunca experimentei e sempre tive curiosidade em experimentar. Porque tenho a certeza que vou adorar.

"Prepara-te para começares a levantar às sete da manhã para ir para a praia. Vais começar a surfar com ele não vais?!" - dizia ela.

Vou. Porque quero. Porque preciso. Porque sei que me vai fazer bem. Porque sei que vou gostar. Combinámos ir comprar um fato para mim esta semana. A prancha... bom, essa logo se vê. Mas já comecei a ver umas na "net". Se tudo correr como planeado... vou começar a "surfar" no próximo sábado.

"Não sei se vou sair hoje. Amanhã tenho de acordar cedo. Vou ter a minha segunda aula de surf!" - disse ela.

Será que isto se pega?

domingo, 12 de outubro de 2008

Yin Yang

Desde que nos conhecemos enquanto vizinhos, que costumamos ir beber um copo naquele a que gostamos de chamar o "bar do nosso bairro". Não há muitos aqui na zona e tanto quanto sei nenhum como este. É um daqueles bares em que sempre que lá entramos conhecemos metade das caras. Em que todos se conhecem. E como tal... porque não?

Pedimos 2 imperiais como já era costume. Ele foi comprar tabaco. Sentei-me. Ele voltou... e com ele as 2 imperiais.

"Cheers mate!" - disse ele.

Falámos de inúmeras coisas. Da miúda da Swatch, do hamburger mal servido, de fatos de surf, das bebedeiras de fim de semana e de trabalho. Lembrei-me do inquérito que havíamos preenchido recentemente sobre a qualidade da empresa em que trabalhamos e comentei com ele:

"Sabes?! Uma das raras perguntas a que respondi que discordava era aquela sobre se achávamos existir um bom equilíbrio entre a nossa vida pessoal e profissional!"

A verdade é que não o sinto. Não sinto esse equilíbrio. Sinto que tenho demasiado trabalho e pouco tempo para mim. Mas por minha própria culpa, bem sei. Sinto que preciso de mais tempo e espaço... sozinho. Sorrio. Como me lembrei de ti meu amigo assim que pensei nisto. Talvez tenhas razão.

Ontem estive com ela. Já não a via há um tempo. Entre outras coisas, falámos de reflexologia, biodanza e massagens de sons com taças tibetanas. Contou-me de como havia descoberto um sítio com workshops sobre estas e outras terapêuticas orientais, naturais e tradicionais. Despertou logo a minha atenção. Senti que ali se encontrava uma parte da resposta.

Saímos do bar contentes por termos bebido apenas uma imperial cada. Ele falava-me em alterar hábitos de alimentação. Eu acenava em concordância. Sim... a ideia das peças de fruta a meio da tarde é uma boa ideia. Amanhã vou falar com ela a ver se entra nisso.

"Sabes o que se calhar um dia destes vou experimentar? Vou deixar de beber cerveja durante um mês e ver se se nota alguma coisa." - disse ele.

Assim que ele disse isto percebi que esta era a oportunidade de fazer o mesmo. Parecia-me uma boa ideia. E neste tipo de coisas, nada como ter alguém no mesmo barco, para nos ajudar a manter focados no nosso objectivo. Tirei o telemóvel para fora e tomei nota. Ah... lembrei-me agora. Vai fazer 1 mês no dia do concerto dos Cut Copy!

Um mês sem cerveja. Parece quase impossível. Mais pelo círculo social em que nos inserimos do que pela falta dela. Vamos ser gozados. Vamos ser tentados. E mais uma vez sorrio a pensar nisso. Vai ser divertido! E também já sei o que vou fazer às sextas... vou sentar-me com a malta e uma garrafa de vinho tinto. "Status"!

sábado, 11 de outubro de 2008

Foi só outra etapa

Foram várias as pessoas que nestas últimas semanas me perguntaram porque havia parado de escrever. E nessas pessoas encontrei carinho. Encontrei expectativa e interesse em me querer conhecer melhor. Alguns de vocês sabem o porquê de eu ter parado. Se isso justifica? Não sei. Se é compreensível? Também não sei. Se aqueles mais próximos compreendem? Provavelmente não... mas sinceramente, também não estou preocupado com isso.

"Mas porque não escreves sobre isso? É assim tão complicado? Ou tens receio ou vergonha de falar sobre isso?" - perguntou ela.

"Nada disso!" - respondi eu - "Não é nada que não se saiba. É algo que tanto eu como o grupo sente. É algo que ela sente também. E é estranho. Desde então que tento escrever e não sei como. Pura e simplesmente... bloqueio!"

Desde que ela se foi embora que todos sentimos falta dela. Às vezes, enquanto estamos todos na conversa, imagino-a ali ao nosso lado. E como ela se faria notar. Como se esperasse a qualquer momento ouvir a voz dela de novo. Como se tudo isto fosse apenas um sonho.

Em tom de brincadeira expliquei-lhe que ela havia sido parte importante do grupo neste último ano. Era uma de nós. Era como um sol, um centro, uma força gravitacional que nos atraía. Era "alto astral", "boa onda" e "gente fina".

"Pois. Talvez agora percebas o quanto ela nos fez falta aqui durante um ano. Ela é uma pessoa linda demais." - disse uma das amigas dela há umas semanas atrás.

Eu sei que eles também têm igualmente saudades dela. Têm contudo formas diferentes de se exprimirem. Acho que são mais contidos... mas isso não minimiza em nada o que sentem.

"Março. Temos de ir até Março. Março o mais tardar!" - diz ele de vez em quando.

Como nos fazes falta amiga. O teu sorriso, a tua boa disposição, a tua postura na vida, as tuas histórias e piadas... os copos e os festivais.

Março. Vamos em Março...

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Salam Aleikum


É verdade que nem tudo correu como havíamos planeado... mas melhor também era difícil. Olhando para trás, ainda bem que ele não cancelou os bilhetes de avião. Os papéis da mota dele não chegaram a tempo e por isso teríamos ficado apeados. Mas pronto... tudo correu pelo melhor. Fomos com o resto do grupo e se assim não fosse também não teríamos tido as "tampinhas"!

Viagens de empresa são sempre óptimas. Seja pela viagem em si, pelos novos locais que conhecemos, seja por conhecer o outro lado das pessoas com quem trabalhamos. Acumulam-se e partilham-se histórias... e geram-se cumplicidades. Sentimos uma maior aproximação entre todos. E assim trabalhamos melhor.

A medina é um mundo de gente, confusão, cores, cheiros e sons sem igual. E acaba por ser um choque cultural apenas se o permitirmos. O povo marroquino é tão afável como destro nas artes de regatear. E o seu gosto pelo regateio é igualmente comparável à destreza com que se movem de motas e bicicletas por entre os também incautos transeuntes.

Ele já me tinha dito para levar coisas comigo para regatear. Levei o meu cachecol de Portugal. Nem sei quanto é que me custou... mas isso também não importava. Queria viver todas as experiências que fossem possíveis e acabei por consegui-lo. Comprei, regateei, vendi e troquei coisas. Comi e bebi o que Marrakesh tinha para me oferecer... pelo menos em 3 dias. O cachecol... esse, troquei-o por 3 sacos de chá de menta e 1 pedra para usar como after-shave. Estranho!

Agora... mal posso esperar para lá voltar. Mas da próxima vez vamos mesmo de mota!

sábado, 20 de setembro de 2008

Um dia na cozinha


Como havia prometido, estive a ensinar os meus sobrinhos a fazer compota e adorei a experiência. Quero também acreditar que eles gostaram desta experiência tanto como eu. Passámos os 3 umas horas engraçadas naquela cozinha, entre tirar fotografias, cortar a abóbora e raspar os limões. Confesso que eu próprio nunca havia feito compota. Estava meramente a seguir algumas dicas e direcções dadas por ela.

O objectivo: chegar ao fim da tarde com 2 boiões com compota de tomate e abóbora. Para depois lancharmos claro!

Começámos os preparativos, a arranjar a mesa, a cortar os frutos, a pesar o açúcar, etc. O que nos fartámos de rir. Apenas posso dizer que a compota de tomate ficou demasiado rija e a de abóbora queimou. Mas não foi por isso que desistimos. Saí de novo em direcção ao supermercado e rapidamente estávamos a fazer a segunda panela de compota de abóbora. E esta última ficou muito melhor que a de tomate.

Se caires de um cavalo a melhor coisa que tens a fazer é voltar a montá-lo. Se apanhares um susto debaixo de água a melhor coisa que tens a fazer é voltar a mergulhar. Nós queimámos a compota de abóbora e não quisémos deixar para outra altura uma segunda tentativa.

Aprendemos com os erros. A compota de tomate ficou rija porque a deixámos demasiado tempo ao lume e a de abóbora queimou porque o lume estava demasiado alto. A última compota que fizémos ficou mesmo no ponto e isto porque foi fruto dos erros que havíamos cometido antes.

Errar é bom... pensem nisso.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Eu sei que sou um T


Eu devia ter entre 5 e 7 anos de idade. O meu irmão já tinha um Atari 2000 e ofereceram-lhe um Sinclair Spectrum 48k. Eu também queria um computador. Para jogar jogos claro. E foi o meu pai que me ofereceu o meu primeiro computador. Um Timex 2048. Era lindo... muito mais louco que o Spectrum 48k do meu irmão. Não tenho a certeza disto que vou dizer mas acho que aquele Timex, que ainda guardo e funciona, foi comprado em 2ª mão... e é claro que por si só não constitui problema. Não tenho nada contra comprar equipamento bom em segunda mão. Mas a verdade é que o meu computador tinha uma avaria e raramente conseguia carregar jogos nele. Ironia do destino... esta foi a melhor avaria de toda a minha vida, pela qual não voltaria atrás...

A minha história assemelha-se em muito com a história do meu povo. A história repete-se. 500 anos antes os Portugueses partiram para o mar em procura de novos mundos e novas rotas comerciais. E sejamos francos... por muito que achemos que somos descendentes de valorosos exploradores e navegadores, estes não o fizeram por serem corajosos ou destemidos... fizeram-no porque não tinham alternativa. Um país rodeado por Espanha e mar... e Espanha não era opção. Se queríamos sobreviver, teríamos de entrar pelo mar. E comigo foi o mesmo. O meu computador não carregava jogos... a minha única alternativa foi programar nele.

Vamos então assumir que eu tinha 7 anos de idade. Tinha o meu primeiro computador que não carregava jogos e um manual do computador que explicava os princípios básicos de programação em "BASIC". Comecei a lê-lo e a fazer pequenas rotinas. Delirava com o que conseguia fazer. E desde então soube que quando crescesse queria ser programador de jogos. Acho que este foi o meu único sonho. Nunca quis ser bombeiro, nem polícia, nem astronauta. Sim... queria poder voar e cheguei a rezar muitas vezes ao menino Jesus para me dar umas asinhas de anjo que sobrassem lá no céu. Cheguei a prometer que não contava a ninguém mas acho que nem isso o convenceu.

Lembro-me vagamente de ter encontrado um livro de programação lá em casa, que seria certamente do meu irmão, e mais tarde comprei outro de gráficos 3D em "BASIC". Anos passaram-se e apareceu o primeiro computador lá em casa. Um Compaq Presario 433. Eu queria programar, instalar coisas, ligar-me a BBS, experimentar... e fui abafado e castrado pela ignorância daquela casa. Ignorância essa que perdura.

Por referência de um grande amigo, comprei aos meus 14 anos um livro intitulado "Tricks of the Game Programming Gurus", o qual devorei, apesar de não conhecer a linguagem "C++" nem o conceito de programação orientada a objectos. No secundário tive 3 anos de informática onde aprendi "GW-BASIC" e "Pascal". E apesar de ser dos melhores alunos nesta matéria, ainda não me sentia conformado. Aos 19 anos de idade comprei o livro "Teach Yourself C in 21 Days" o qual li de fio a pavio, sem nunca ter um computador onde testar o que ia aprendendo. Nesta altura servia à mesa num hotel em Londres e vivia num pequeno quarto alugado com outras 7 pessoas.

Foi só aos 23 que voltei a pegar em qualquer coisa relacionada com informática. E por mão do meu irmão que tanto insistiu comigo para que voltasse a estudar.

"Toma... tá aqui um folheto da escola ali de cima. Eles têm lá cursos de computadores e aquelas coisas que gostas. Vai até lá e inscreve-te. Mas faz qualquer coisa... pelo menos tira o 12º ano!" - disse ele.

Só lhe posso agradecer. Se naquele dia ele não o tivesse feito, provavelmente hoje eu ainda estaria a trabalhar como estafeta ou cozinheiro.

Os anos passaram-se. Terminei o meu curso técnico-profissional de informática. Comecei a trabalhar como administrador de redes, o que não poderia estar mais longe daquilo que queria fazer, mas era uma porta de entrada para este mundo. E foi essa porta que me levou à empresa em que estou. Sim Randy... tive sorte!

Hoje em dia trabalho como "Web Developer" numa das maiores agências de marketing online em Portugal. Trabalho com criativos, designers, pessoal de video, 3D, flash e outros programadores como eu. Adoro o ambiente, os meus colegas e o meu trabalho diário. Vibro com os desafios, com as novidades e com a inovação. Amo a cultura de meritocracia que se vive e a postura de uma empresa multi-nacional. É provavelmente o mais próximo que estarei de uma empresa que cria jogos. O mais próximo do meu trabalho de sonho.

Hoje comprei um livro. Chama-se "XNA 2.0: Game Programming Recipes". Não sei o dia de amanhã... mas não vou desistir do meu sonho.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O filho pródigo


Quantos de nós que vivemos em Lisboa, visitam o Mosteiro dos Jerónimos, deslocam-se até à Torre de Belém ou tiram fotografias ao Cauteleiro? Quantos de nós vão até ao Adamastor e olham para aquele pôr-de-sol como se fosse o último? Ou tiram uma fotografia com o Eça na Brasileira? Pois... é exactamente quando temos dados por garantidos que não apreciamos devidamente aquilo que estamos a ver, sentir e viver. Porque sabemos ou achamos que amanhã vão estar lá de novo. E mesmo que amanhã não nos apeteça, vão estar sempre lá à nossa espera...

Não estava nervoso nem tampouco ansioso. Não constituía novidade. Tudo me era familiar. Sabia para onde ir, como ir e o que fazer. Estava em casa de novo. Comprei o meu "one day travelcard - zones 1-6" e segui para o coração da cidade. Ia ser directo. Ia ser o mesmo caminho que havia percorrido tantas vezes.

"The next station is Picadilly Circus. Mind the gap." - disse uma voz que não se cansa com o passar dos anos, como que parada no tempo.

Foi quando cheguei à superfície que tudo mudou. Senti-me feliz. Senti-me em casa. Num sítio muito meu, cheio de boas recordações, de cheiros, cores e sons. A minha cabeça estava agora cheia de pessoas, locais, acontecimentos... parei e rodei sobre mim mesmo, olhando para todos os edifícios e pessoas, que indiferentes ao que sentia, seguiam os seus próprios caminhos. Peguei na máquina fotográfica e comecei a tirar fotografias. Comecei a pensar onde gostaria de ir a seguir e que fotos queria levar para não mais me esquecer. Para recordar.

Foram cerca de 4 horas a pé... sem parar. E nunca foi demais. Nunca fiquei cansado. Era o tempo que tinha disponível para voltar a encher a alma. E foi tempo suficiente para me lembrar o vício. Foi tempo suficiente para querer voltar e mais uma vez deixar tudo para trás.

Será que devo? Serão estes os melhores motivos? Deverei ceder ao que o coração me diz para fazer quando a razão me diz para ficar quieto? Onde me levou antes o coração? Não devo hoje o que tenho à razão? E será o que tenho hoje aquilo que quero? E quanto mais penso nestas e noutras questões, enquanto as peso na balança cega das decisões, onde frequentemente se vangloria a indecisão... mais compreendo que este é um capítulo que ainda não dei por terminado. É um assunto por resolver e que precisa de ser fechado.

Não sei quando, mas vou voltar. E quando voltar vai ser diferente. Desta vez... venho preparado!

sábado, 13 de setembro de 2008

Nuestros hermanos


A minha percepção do povo brasileiro e do Brasil tem vindo a sofrer significativas alterações. Curioso. À medida que escrevo isto apercebo-me que o mesmo se deu relativamente aos espanhóis há alguns anos atrás. E em ambos os casos pelo mesmo motivo. Porque comecei a conviver com eles... e a conhecê-los.

Fui educado pela lobotomização nacionalista e pela perversão mediática. Sou um filho do pós-revolução. Temos uma identidade cultural fortemente assente em conflitos, frustrações e insegurança... pela nossa "pequenês". Receamos a investida económica espanhola, cedemos aos acordos luso-brasileiros e tudo isto porque já não somos os portugueses de há 500 anos atrás.

Comecei a dar-me com espanhóis em Inglaterra. O que facilitou. Éramos estrangeiros em terras de Sua Majestade e isso fez com que sentisse um elo de ligação diferente. E por isso permiti-me a conhecê-los e a confraternizar com eles. Acabei por perceber que não só desconheciam este nosso "ódiozinho" por eles como ainda por cima gostavam de nós. Que figura de parvo.

Os nossos irmãos atlânticos. As minhas primeiras impressões desde sempre estiveram contaminadas. Um simples "Oi?" em vez de um "Como?" chegavam a ser suficientes para me tirar do sério. Hoje em dia, "amo" o "irado", "animal" e "surreal". Talvez tenha tido sorte por ter conhecido brasileiros "super gente fina". Uma "galera" que gosta de "ir na balada". Apetece-me ou "tou afim"? Nós dizemos e eles "falam". Tem piada... segundo ela temos também uma divergência nos plurais. Será "morro de saudade de salada de aspárago" ou "morro de saudades de uma salada de espargos"? Quem sabe...

Da mesma forma que nem todas as portuguesas têm bigode, nem todos os portugueses se chamam Manel e nem todos são padeiros... também nem todos os brasileiros são calões que se limitam a apanhar côcos suficientes para os "chops" do dia. Nem todos são criminosos de favela. Estes são estigmas e preconceitos que se foram gerando ao longo do tempo e que facilmente poderão ser quebrados...

...basta nos querermos conhecer.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Óscar à trois


Juro que fiquei emocionado. Consegui esconder o quão excitado estava com a ideia ao deixar transbordar somente um ligeiro sorriso. Levantei-me e dei-lhe um fervoroso aperto de mão e voltei a sentar-me. A minha cabeça borbulhava com ideias, com ramificações daquela ideia base, daquele conceito. 

"Genial!" - escrevi eu.

Estava no "papo". Era aquilo que procurávamos. Era aquela a ideia que nos iria levar a um desfecho vitorioso. Tive logo a certeza... e ele também.

"E tu minha menina vais-te juntar a nós..." - disse-lhe em tom de brincadeira, deixando claro que um "não" estaria fora de questão.

A verdade é que ela se tornou uma pessoa muito especial para mim. Uma pessoa que profissionalmente muito admiro e respeito. E tê-la na equipa dava-me automaticamente outro alento.

Ele já nem conseguia pensar noutra coisa... e em boa verdade, nem eu. Combinámos ficar os 3 no escritório até mais tarde nessa noite para discutirmos ideias e conceitos. E é nestas alturas que percebemos o poder da motivação das pessoas. E do que são capazes quando tomam os projectos como seus. Fosse por outro motivo e talvez não tivessemos ficado de bom grado várias horas em "brainstorming".

Aqui tínhamos 3 pessoas de áreas diferentes num universo empresarial de 5 áreas... mas com um denominador comum: derivados de "IT". Achámos que deveríamos explorar as outras 2: marketing e design.

Olhando para trás, encontro realização na proporção que a ideia tomou, na volta que soubemos dar ao conceito inicial, a todos os novos segmentos e ramificações que surgiram e ao potencial que se encontrava por trás de cada um deles. O BluEgo poderia ser uma realidade. E todos havíamos feito parte disso.

Empenho. Entrega. Dedicação. Não faltou nenhum... e isso apenas se pode traduzir em vitória!

Mas a vida não são apenas vitórias. Existem também derrotas. E também elas assumem um papel importante na vida. É importante saber perder. É importante perder para compreendermos o valor de ganhar. Torna-nos humildes. Desafia-nos a melhorar e a crescer. Torna-nos mais competitivos.

Lembro-me de forma um tanto ou quanto vaga de alguém uma vez me ter dito que ao contratar um executivo, preferia aquele que já tivesse falhado uma ou mais vezes ao invés de um que apenas tivesse conhecido o sucesso. A explicação era simples: o primeiro já sabia o que evitar e de como evitá-lo... e já o segundo podia apenas ter tido sorte até então e ainda não estar devidamente preparado. Neste seguimento recordo-me também de ter ouvido que falhar faz parte do processo de atingir objectivos. A descoberta científica de uma nova cura para o cancro representa uma ínfima fracção das tentativas feitas nesse sentido. Foi preciso falhar muito para conseguir chegar lá. Foi preciso não ter medo de falhar e continuar a tentar. Foi preciso aceitar um possível falhanço como um novo avanço.

"Oi... sabes quem ganhou?! A equipa de motion. Achas isto normal?!" - disse ela assim que atendi o telemóvel.

"Well, a ideia era boa... tem imenso potencial. Se era o tipo de coisa que estaríamos à procura... não sei. Mas não me choca..." - disse eu, sabendo perfeitamente que ela estaria a brincar.

"Estúpido, estou a gozar... GANHÁMOS!!!" - gritava ela, compensando o ruído ensurdecedor que o metro fazia ao chegar à estação.

A noite começara bem e abeirava-se agora a segunda vitória do dia. A multidão juntava-se. Ouvia-se "A Portuguesa" e os vendedores ambulantes promovendo um patriotismo interesseiro. Os cachecóis dançavam ao sabor do vento, ao som dos rios de cerveja e do crepitar das febras. Na práctica esta era a primeira vez que ia ver um jogo de futebol ao estádio. E Portugal ia dar uma "coça" à Dinamarca. Acho que não preciso de falar mais do jogo. Se o resultado foi justo? Não...

"Epá... o futebol tem destas coisas e até ao apito final é tudo jogo." - disse ele.

Se calhar tivemos sorte. Mas uma coisa é certa. Não temos medo de falhar.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A vida em OOP

Estava cansado. Mal conseguia falar direito e muito menos organizar os meus pensamentos. Tinha sido um fim de semana muito intenso. Ela vinha a dormir atrás e ele vinha ao meu lado a guiar o carro dela. Olhei para eles. Ele concentrado, certamente ainda a pensar sobre os nossos últimos dias... ela, tinha acabado de conhecer. Os seus olhos meigos estavam agora fechados e a tranquilidade que vivia na sua face escondia o sorriso de minutos atrás.

Os meus sentidos rendiam-se agora à basicidade do que nos rodeava. Limitavam-se a compreender e a interagir com as coisas simples que me eram apresentadas. Na disformidade das texturas. Na panóplia de cores. Nos cheiros associados. Nas propriedades dos objectos que constituíam o meu novo mundo.

"Não vais acreditar... mas e se te dissesse que em fracções de segundo a minha cabeça me levou a criar uma analogia entre a vida e programação?" - perguntei.

"Diria que ainda estás sobre o efeito das nossas 3 últimas noites!" - ok... ele não disse isto... mas admito que o tenha pensado.

Tudo são objectos. E encontro-os em todos os lugares. Que encerram em si as propriedades que os definem. Conceitos que se traduzem por classes e que através delas se materializam. Fábricas de objectos que respeitam os conceitos em que se inserem. Delegados que transmitem ordens e permissas. Objectos que se cruzam. Que transitam. Padrões. Que se encontram nas interfaces da sociedade. Que se respeitam e dão a conhecer. Contratos. Referências e valores. Conceitos abstractos. Objectos derivados. Estáticos e em movimento. Boas práticas. Acordos selados e protegidos, privados ou públicos. Objectos que comunicam e trocam impressões entre si. Criação e destruição... quem instanciou o "big-bang"? Quem foi o programador que criou este mundo de vida e de quem são os mundos que crio?

Foi talvez um fim de semana demasiado intenso. Fechei os olhos, sorri... e adormeci.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Portugaru San

A primeira experiência de que me lembro com o sexo oposto foi no mínimo estranha. Já nem me lembro do nome dela. Lembro-me da rejeição, da humilhação e de ser preterido a favor dele... mas do nome dela, nem por isso. Mas ainda me lembro do que me chamou.

"Chinesinho!!!" - gritou ela. - "Eu não quero brincar com o chinesinho..."

Eu deveria ter os meus 5 ou 6 anos de idade. Nessa altura, as nossas famílias constumavam passar os verões juntas, alternando entre a casa de uns e outros, entre Vilamoura e Vale Navio, entre a nossa casa e a dele. Gostava mais de Vilamoura... mas a piscina dele era bem maior! E foi lá que a conheci... e com tenra idade, a percepção das linhas faciais.

"Realmente o rapaz tem traços chineses. Diz-me meu menino... tens algum familiar chinês?!" - perguntaram-me a dada altura.

A verdade é que não. Não tanto quanto saiba. E não pensem com isto que tal questão me possa afligir. Mas de facto tanto a mãe do meu pai como a minha própria mãe, ambas aparentavam os mesmos traços e certamente foi delas que adquiri os meus. Mas como disse... não, não tinha.

"Chinesinho limpópó!!!" - troçava.

Estávamos agora em 1993. Sentia-me nervoso. E não era caso para menos. Não só era minha tia com também era a primeira vez que ia ao teatro. E tinha medo de não compreender. Tinha medo de com isso a desiludir. Ela que na altura seria das poucas pessoas do lado da família da minha mãe com quem me identificava. Porque era diferente. Porque contra as adversidades da vida havia vingado. Porque a admirava. Porque era inteligente, linda e simpática... e porque era minha tia.

Lembro-me de uma sala escura. De um foco de luz. Uma capela. E no meio da sala lá estava ela. Impávida e serena, a aguardar... o Senhor Portugal em Tokushima.

Hoje em dia não nos falamos. Não por não respondermos aos convites que já não existem. Não por nos ignorarmos nos encontros que não acontecem. Mas porque não nos procuramos.

Às vezes lembro-me dela. Lembro-me da história dos cogumelos frescos e do arroz frito. Lembro-me da minha pequena prima. De um terraço sobre o rio. Lembro-me daquele bar cheio de outros artistas. De quando nos cruzávamos nas imediações da casa da minha avó... e pouco mais. Mas quando me lembro dela, lembro-me de tudo isto...  e lembro-me com carinho. Com pena. Com mágoa.

No outro dia veio à minha memória. Não sei porquê, mas liguei-lhe. O número estava certo. A indiferença na voz que se fez ouvir não. Foi estranho. Não falava com ela há anos. Pensei que fosse ficar contente. Foi uma daquelas trocas de palavras vazias e desprovidas de qualquer pertinência. Palavras de ocasião que servem para nada mais que quebrar o silêncio que as precede. Pergunto-me quem terá abandonado quem. Pergunto-me se deverei deixar certas relações ficarem onde elas pertencem... na nossa memória. Onde apesar de permanecerem felizes espelham nada mais que uma mentira. Outra mentira...

Fiquei triste mas revalidei o que no fundo já sabia. Que trilhamos caminhos diferentes. Que atribuir culpabilidades sobre quem estragou uma relação não só não a trás de volta como também não nos faz sentir melhor. Aconteceu. A relação morreu. E agora resta-me viver com isso... ou esquecer.

Opto por esquecer...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Viagem ao mundo dos sonhos


Ao contrário de Martin Luther King, eu tenho vários sonhos. De alguns tive de abdicar, de outros começo a perder esperança e encontro-me agora agarrado com todas as forças aos poucos que me restam. E foi quando li "A última aula" de Randy Pausch que reflecti sobre algo que nunca havia feito. Sobre ajudar os outros a atingirem os seus sonhos.

Recordo-me que a dada altura, Randy fala de como com o avançar da idade, nos tornamos menos egoístas e começamos a retirar mais prazer daquilo que damos do que obtemos. E encontro-lhe alguma razão. Ou pelo menos acho que começo a compreendê-lo. Fui presenteado com a oportunidade única de ajudar alguém a concretizar o seu sonho. E aquilo que sinto desde então é inexplicável. Talvez por ser um dos meus sonhos. Talvez por ele ser um dos onze. Não sei... apenas sei que através dele consigo viver o meu sonho e que ajudá-lo me faz vivê-lo ainda mais.

No outro dia comentávamos as voltas que a vida dá e as partidas que nos prega. E como por trás de um acontecimento desfavorável, mantendo uma postura positiva, se esconde pontualmente uma oportunidade. E essa oportunidade surgiu, infelizmente à custa de algo que lhe custa ainda ultrapassar, e ele soube agarrá-la. Foi uma limpeza de alma. Um redescobrir-se. Um desencadear de eventos que levou à geração de um sonho. Sonho que agora abraça e que já se encontra a viver.

É aqui que encontro esperança. Sabendo que ainda podemos gerar sonhos. Sabendo que apesar de ter perdido velhas oportunidades, novas poderão surgir, e isso dá-me um novo alento.

A viagem começou. É uma viagem de estado de espírito, uma viagem de auto-conhecimento e auto-conceito. Uma viagem que desafia os nossos limites e testa todas as componentes da nossa vida sócio-cultural. É uma viagem que torna qualquer indivíduo não um cidadão mas um Homem do mundo. Uma viagem que trará tal riqueza de vida e experiência enquanto ser humano que não existe dinheiro que possa pagar. Uma viagem intransmissível. Uma viagem de sonho.

Eu sei que ele quer fazer esta viagem sozinho. E tem de fazê-la sozinho. É parte integrante do seu sonho. Mas ele sabe que sozinho é a última coisa que vai estar...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Sangue de Lory

Sou uma pessoa de contrastes. E não se entendam contrastes por desequilíbrios... se bem que admito que eles existam. Pretendo com isto dizer que sou de carácter, sentir e ser moldado por uma vida de opostos. Um contraste de genes e instrução. Sou filho de gente pobre educado por ricos. Educado a ser temente a Deus e dele nem vislumbre. Amado como se ama um filho e abandonado com quem viu em mim um fardo.

Mas tornou-me mais forte... carente, mas forte. Sensível... mas com uma dose de frieza.

Sou sangue de gente humilde que nunca conheci, com quem pouco convivi e de quem me comecei a aproximar. E mesmo acerca destes, pouco sei, porque a vida assim o quis. Mas de todos, houve para mim quem se destacasse... e foi a mãe do meu pai. A minha avó. A minha adorável, linda, cheia de vida... avó. Que faleceu no ano passado e que através da minha tia, me deixou uma pulseirinha.

E o destino, o fado, a fatalidade e a sina seguiram o seu rumo.

Quis o destino que nos voltássemos a encontrar. Como que me permitindo uma última oportunidade. Um doce amargo. Como que sabendo os dias que se avizinhavam e a fatalidade que adviria. Quis o fado que eu pudesse sentir a felicidade de abraçar e reclamar o meu direito. O direito de sangue. De poder sentir o que todas as famílias devem sentir e que eu nunca tive. E a minha avó era toda ela fado. E o destino concedeu-me esse último ano da sua vida... para que pudesse relembrar com ternura estes encontrados sentimentos e chorar por todos os anos anteriores que os podia ter tido. No fim, a fatalidade levou-a.

Mas a sina, atenta, deu-me mais do que poderia pedir. Num gesto de complacência deu-me uma "bebé tia". Deu-me uma pessoa que tanto deu à minha avó, que tanto reteve dela, que em tanto se assemelha e que eu não quero perder... que não quero largar mais. Nem à pulseirinha.

"Acho que não me roubaram nada... não estou a ver nada em falta... esperem... a pulseirinha da minha avó!!!"

Depois de vasculhar o quarto, não encontrei a pulseirinha, que ainda se encontrava no mesmo envelope em que a "bebé tia" havia colocado e escrito o meu nome. Era capaz de jurar que estava na prateleira ao pé dos livros.

"De acordo com o que vimos no andar de cima e o que lá roubaram, trata-se de um grupo de crime organizado que pensávamos já se ter ido embora. Já apanhámos 6 delas... mas pelos vistos voltaram!" - disse o agente, enquanto recolhia impressões digitais da ombreira.

Ele disse "delas"? Depois de algumas explicações percebi. Eu fui assaltado por um grupo de romenas.... noutro contexto eu até teria ficado contente, até porque não me tinham levado nada.

"Oh colega... chegue aqui. O que é que lhe parece? Parecem impressões de uma criança." - disse o outro agente.

A minha cabeça continuava a vaguear pelas imagens de belas, exóticas, altas e esguias morenas... mas rapidamente foram substituídas por uma criança ao colo de ciganas velhas, gordas e vestidas de preto. Consegui com sucesso remover as novas impressões gráficas que me atormentavam e voltar ao meu fetiche pessoal. Se fui assaltado por "miúdas"... então que fossem boas!

Agora realmente tudo fazia sentido. Não me levaram o portátil, nem a máquina fotográfica nem tantas outras coisas que aqui tinha e que acreditava serem as primeiras coisas a desaparecer. Mas até então eu também desconhecia que existiam grupos de crime organizado femininos. Sabem o que roubaram no andar de cima? Roupa, sapatos, anéis, porta-chaves, canetas... e dinheiro, claro.

Mais tarde, enquanto me arranjavam a porta da frente, resolvi dar uma arrumadela no quarto. Sabem o que descobri? Claro que foi a pulseirinha. E sabem como me senti? Pois... isso eu também já não consigo colocar por palavras. 

Com isto chego a uma conclusão: se é para existirem assaltantes... então que sejam todas mulheres!!!

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Filhos de uma Croata


Nem queria acreditar no que estava a ler, mas a mensagem era clara e sucinta... não existia espaço para erro ou confusão. Tinha acontecido. O desmoronar de ideias deu lugar a um estado de automatismo que me levou ao gabinete dele. À medida que me deslocava só conseguia pensar no como, quando e porquê de ter acontecido. Mas tinha que lhe dar qualquer tipo de satisfação antes de sair. Depois de o fazer, voltei à minha sala onde já comentavam se aquilo estaria mesmo a acontecer... se era de facto verdade. Infelizmente era.

Nunca o caminho para casa me tinha parecido tão moroso... e contudo mal me lembro dele. O meu pensamento ia de encontro à minha perda. Aos anos de trabalho e recordações. Ao suor e custo que havia empregue em cada uma das peças. Porque ao contrário do que se poderia esperar, não se tratava apenas de uma perda material... tratava-se de ferir a minha liberdade, de corromper a minha independência e violar a minha privacidade. Imaginei um cenário assolador. Esperei o pior.

Assim que cheguei, estranhei a tranquilidade que se vivia na rua e na entrada do prédio, alheias ao sucedido, como se de qualquer outro dia tratasse. A verdade é que por momentos me fez sentir que tudo estava bem. Tratara-se de um erro, de um mal-entendido ou até de uma partida de mau gosto. Como estava longe da verdade. O interior do prédio revelou-se diferente... e fez-me voltar à realidade que temia.

À medida que subia as escadas, deixei de pensar... estava em branco. Recordo-me vagamente de passar por elas. Diziam algo que na altura me foi impossível decifrar. A minha cabeça estava ao rubro e prestes a sucumbir. E foi um longo silêncio que culminou com o abrir da porta.

"César, a tua casa foi assaltada e a minha também." - dizia a  mensagem de texto que havia recebido cerca de 30 minutos antes.

À medida que varria o quarto com os olhos, fazia o contraste entre o que encontrava e o que esperava que tivesse sido tomado, como se de uma "checklist" tratasse. Devo ter estado cerca de 2 minutos, calado, focado no que me haviam roubado...

"Nada... não acredito... não me roubaram nada... nada mesmo!!!"

E aqui foi a vez da tempestade dar lugar à calmaria. Uma calmaria exterior. Não deixava de sentir uma enorme impotência e frustração. Mas estes são sentimentos passivos.

Há coisas que nunca havemos de conseguir explicar. E existem diversos pormenores neste "assalto" que me causam alguma espécie. Segundo a polícia, vários "gangs" de crime organizado croata e romeno, têm operado nesta área. O mesmo "modus operandi". E não estranham o facto de não terem levado nada...

"Sabe... estes fulanos apenas andam à procura de dinheiro e ouro. Não lhes interessa serem apanhados com peças incriminatórias nem tão pouco têm receptores para determinados produtos. Acredite que não acho estranho... vejo com cada coisa!"

Não sei até que ponto estas palavras me tranquilizaram. Acho que nada mesmo. A verdade é que continuo com medo. Sinto-me inseguro. Vulnerável. Ouço ruídos pouco usuais lá fora. Mas também nunca estive em casa sem música ou televisão... por isso também não sei quais são os ruídos habituais mesmo.

"Eles hoje pelo menos já não devem voltar..." - diz um dos vizinhos.
"Olhe que cá para mim isto foi só o início... a seguir somos nós." - diz uma das vizinhas.

O burburinho virou opinião. A troca de opiniões deu aso a conversa. E a vizinhança juntava-se à medida que chegava. E tão depressa tudo começou como terminou. As portas fechavam-se e muitas pessoas jantaram hoje mais tarde que o habitual. E a vida deles normalizou...

A minha porta continua aberta... não consigo fechá-la. Vou tentar ficar acordado.

domingo, 31 de agosto de 2008

Pipocas inteligentes

"Gosto de filmes que me façam pensar."

Pode até parecer estranho dado o contexto. Afinal de contas, estávamos no intervalo daquele que acabou por ser a nossa 3ª escolha, por questões que se prenderam com "timmings" e problemas de ordem técnica. Diga-se também de passagem que qualquer um destes 3 filmes requeria a carga intelectual de uma criança de 6 anos. Mas eu percebi o que ela quis dizer...

"Gosto de filmes com substância, que me façam reter algo no fim... gosto de filmes com uma moral por trás." - disse ela.

Não valia a pena. Nunca lhe iria conseguir vender outro filme do Vin Diesel. Eu sabia o que ela estava a querer dizer e não podia deixar de em parte concordar. Mas também sabia que tínhamos graus de exigência diferentes. Havíamos gerado diferentes expectativas sobre o que um filme deveria ser e isso condicionava as nossas escolhas.

"Ele não gosta de filmes... ele devora filmes. É um consumidor de filmes." - disse ele em tom de gozo.

Sorri. Ele não deixava de ter razão. A verdade é que adoro filmes e sou capaz de passar horas a vê-los, independentemente do género, enredo, elenco ou até mesmo do número de vezes que já os vi. Vejo filmes como forma de entretenimento e é isso que eles são para mim... uma fonte de passar o tempo, distracção e divertimento. E como tal não sou esquisito. Para ser sincero, chego a ter alturas em que fujo a sete pés de filmes inteligentes.

Há muitos anos atrás, perguntei ao meu irmão que tipo de jogos de computador é que ele preferia, apesar de saber perfeitamente que ele não era sequer grande apreciador de nada que tivesse a ver com um computador. Para quem não conhecer o meu irmão, fica a nota de que é 8 anos mais velho do que eu, licenciado em Direito, e que acredita piamente que os computadores apenas vieram piorar a qualidade de vida do Homem. Mas adiante. Depois de ele me dizer o nome de um jogo de futebol e outro de fórmula 1, repliquei com jogos de estratégia e "role playing games", através dos quais seria possível gerir intrincados mundos virtuais, com uma infinita panóplia de caminhos a percorrer, personagens fantásticas por conhecer, regras a respeitar... e ele respondeu-me algo de que nunca mais me esqueci:

"Cesarinho... para te ser sincero, os meus estudos e trabalho já me requerem que passe a totalidade dos meus dias a pensar e a esforçar-me intelectualmente. Quando estou em casa, num momento de lazer, opto por não fazê-lo. Também se pode retirar algum proveito da estupidificação."

Na altura não percebi bem... pensei que lá estava o paleio de advogado a esquivar-se à questão. Acho que depois destes anos todos já percebo o que o meu irmão quis dizer.

Tenho pouco mais de 300 filmes... originais claro! Ninguém que pirateie filmes afirmaria ter tão poucos. Seria de imediato alvo de chacota. Todas as pessoas que conheço que "sacam" filmes da "net" falam sempre na casa dos milhares ou em "gigas":

"Epá... tou a sacar agora a terceira temporada daquela série de que nem me lembro do nome nem do que se trata e que provavelmente acabarei por nunca ver, visto que mesmo que parasse agora, nunca teria tempo numa vida útil para ver tudo o que já saquei... e são apenas 5 gigas!!!"

Faz-me rir... mas não tenho nada contra. Aliás, longe de mim estar aqui com falsos moralismos depois de tudo o que já "saquei". Nada disso. Apenas acho piada aos coleccionadores de "gigas".

"Mas tu compras filmes? Para quê? Aposto que 80% dos filmes que tens só os vês uma vez... qual é o interesse de ver um filme de novo quando já se conhece o final?"

É complicado discutir com alguém cujo discurso faz todo o sentido. Responder-lhe com algum encadeamento coerente e racional é penoso. A resposta... bom essa seria tudo menos racional. Compro filmes porque faço colecção. Porque faz tanto sentido como ter centenas de isqueiros, selos, cromos ou vinhetas de teatro. E porque prefiro ver filmes em casa do que no cinema. Sem comparação possível. Se há coisa que me irrita durante um filme é o irritante som das caixas de pipocas, dos comentários labregos e das risadas em momentos chave de filmes dramáticos. E hoje não foi excepção. Mas valeu a companhia... e todo o dia que os 3 deixámos para trás.

sábado, 30 de agosto de 2008

A Paço e Paço

Há algum tempo atrás, ele falou-me de um livro e de um autor que me chamou a atenção, apesar da piscina teimar em distrair-me. A água estava gelada, tinha cancro pancreático, o sol estava alto, tratava-se da sua última aula, o vento estava incomodativo, rodava à volta dos seus sonhos de criança e eu tinha-me esquecido de trazer a toalha. É claro que por esta altura a minha cabeça fixou-se em usar a toalha do outro antes que ele voltasse!

"A sorte... é quando a oportunidade... se encontra com a preparação." - disse ele de forma pausada e em tom de citação.

E foi quando me deitei na toalha do outro que consegui falar com ela, que em bom costume, me deliciou com inúmeras dicas gastronómicas. Ainda não consegui pôr nenhuma em prática... mas mal posso esperar. Acho é que vou ter de lhe ligar outra vez! Uma coisa é certa. Para quem ainda tinha a cabeça a "descansar" dos intensos fins-de-semanas de festivais, foi demasiada informação em tão curto espaço de tempo.

Fui para casa e repetia para mim mesmo: "Carnegie Mellon... Murphy Richards... Randy Pausch... Hoovis ou Fermin..." - não necessariamente nesta ordem, mas de forma ininterrupta até ter conseguido tomar nota.

A verdade é que, apesar de provavelmente ter parecido distraído, tanto o livro como a compota de abóbora haviam realmente captado a minha atenção. De tal forma que três dias depois tinha comprado o livro na FNAC e 2 boiões de vidro no IKEA para a compota que tenciono fazer com os meus sobrinhos. Um deles vai ser para ela. Um dos boiões... não sobrinhos!

Quanto ao livro... li, ri, chorei, reflecti e identifiquei-me com o autor... e recomendo vivamente. Para quem está à espera que eu coloque aqui o nome do autor assim como do livro, gostaria de vos deixar com um trecho interessante e que a meu ver se aplica:

"Os obstáculos não estão lá para nos impedir de conseguir atingir o que queremos. Estão lá apenas para somente deixar passar aqueles que realmente querem e fazem por isso. Ou seja... estão lá para impedir os outros!"

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O filho do meu pai


Já dizia o povo que "filho de peixe sabe nadar". E o que parece lógico, óbvio e acima de tudo simples na sua composição, não deixa contudo de me intrigar. Talvez por outra das minhas características que tanto me afecta: a imutável incapacidade de aceitar que algumas coisas são realmente simples e lineares e que não encerram misteriosos enredos à espera de serem descortinados. Que por vezes não existem complexas conspirações, significados escondidos ou sentimentos camuflados. Que um "sim" é sempre um "sim" e um "não" não é um "talvez".

"Filho de peixe sabe nadar"...

Interrogo-me sobre o porquê da expressão. O que a originou e baseado em quê. Sim, claro que conheço o sentido da expressão. Mas a lógica diz-me que um rebento de peixe será inequivocamente outro peixe e que, por conhecimento de causa ou por casual experiência, nadar lhe é inato. E não me refiro àquele peixe em concreto por ser descendente do outro, mas pelo fulcral pormenor de que ele próprio é um peixe! E é aqui que começam as ramificações do problema. Nadar é algo que pertence a esta espécie em particular e que é comum a todas as suas sub-espécies e aos elementos que a compõem. Não é nada que se passe através da educação, por qualquer processo de aprendizagem ou que se possa herdar por qualquer outro veículo que não os genes do mesmo, que esses sim ditam a sua competência. E consequente sobrevivência.

Nadar é portanto uma apetência inerente ao colectivo e não ao indivíduo que a herda. De onde se retira que a expressão apenas pode ser aplicada de forma generalizada e não direccionada.

"Filho de peixe sabe nadar"...

O meu pai é cozinheiro e eu cozinheiro fui... e adoro cozinhar. Se cozinho bem ou se os meus pseudo-cozinhados sequer se aproximam da "haute cuisine" do meu pai, essa já é outra história. O meu pai é louco por motas e aqui escuso de traçar paralelismo. Todavia é curioso ter começado a andar de mota antes dele. Também o facto de ele ter sido instrutor de mergulho e eu mergulhar é apenas mais um elo de ligação. Um elo aberto, visto que até hoje, nunca mergulhámos juntos!

"Filho de peixe sabe nadar"...

Certo. Bate certo. Faz sentido. Onde está então o drama? Onde está a questão, o dilema, a tal conspiração que se esconde à espreita por trás de cada uma destas afirmações? Apenas estou a provar que o provérbio tem motivo de ser. Mas também nunca disse o contrário. Apenas que me intriga.

Pois... o problema reside em nunca ter vivido com o meu pai. Em nunca ter tido uma relação pai-filho convencional. Em nunca ter convivido ao longo da minha infância e adolescência com o meu pai e por conseguinte, nunca ter absorvido os seus gostos, apetências, inclinações... ou sonhos. Por não ter tido a sua força nem as suas direcções. Pela distância que nos separa. Por nos termos acabado por tornar pessoas tão iguais. E tudo isto porque partilhamos os mesmos genes? Como seria se tudo tivesse sido diferente? Seríamos ainda iguais? Iria acarinhá-lo? Iria sentir-me mais próximo? Desconheço. Mas uma coisa sei... o filho do meu pai sabe nadar!
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