terça-feira, 2 de setembro de 2008

Filhos de uma Croata


Nem queria acreditar no que estava a ler, mas a mensagem era clara e sucinta... não existia espaço para erro ou confusão. Tinha acontecido. O desmoronar de ideias deu lugar a um estado de automatismo que me levou ao gabinete dele. À medida que me deslocava só conseguia pensar no como, quando e porquê de ter acontecido. Mas tinha que lhe dar qualquer tipo de satisfação antes de sair. Depois de o fazer, voltei à minha sala onde já comentavam se aquilo estaria mesmo a acontecer... se era de facto verdade. Infelizmente era.

Nunca o caminho para casa me tinha parecido tão moroso... e contudo mal me lembro dele. O meu pensamento ia de encontro à minha perda. Aos anos de trabalho e recordações. Ao suor e custo que havia empregue em cada uma das peças. Porque ao contrário do que se poderia esperar, não se tratava apenas de uma perda material... tratava-se de ferir a minha liberdade, de corromper a minha independência e violar a minha privacidade. Imaginei um cenário assolador. Esperei o pior.

Assim que cheguei, estranhei a tranquilidade que se vivia na rua e na entrada do prédio, alheias ao sucedido, como se de qualquer outro dia tratasse. A verdade é que por momentos me fez sentir que tudo estava bem. Tratara-se de um erro, de um mal-entendido ou até de uma partida de mau gosto. Como estava longe da verdade. O interior do prédio revelou-se diferente... e fez-me voltar à realidade que temia.

À medida que subia as escadas, deixei de pensar... estava em branco. Recordo-me vagamente de passar por elas. Diziam algo que na altura me foi impossível decifrar. A minha cabeça estava ao rubro e prestes a sucumbir. E foi um longo silêncio que culminou com o abrir da porta.

"César, a tua casa foi assaltada e a minha também." - dizia a  mensagem de texto que havia recebido cerca de 30 minutos antes.

À medida que varria o quarto com os olhos, fazia o contraste entre o que encontrava e o que esperava que tivesse sido tomado, como se de uma "checklist" tratasse. Devo ter estado cerca de 2 minutos, calado, focado no que me haviam roubado...

"Nada... não acredito... não me roubaram nada... nada mesmo!!!"

E aqui foi a vez da tempestade dar lugar à calmaria. Uma calmaria exterior. Não deixava de sentir uma enorme impotência e frustração. Mas estes são sentimentos passivos.

Há coisas que nunca havemos de conseguir explicar. E existem diversos pormenores neste "assalto" que me causam alguma espécie. Segundo a polícia, vários "gangs" de crime organizado croata e romeno, têm operado nesta área. O mesmo "modus operandi". E não estranham o facto de não terem levado nada...

"Sabe... estes fulanos apenas andam à procura de dinheiro e ouro. Não lhes interessa serem apanhados com peças incriminatórias nem tão pouco têm receptores para determinados produtos. Acredite que não acho estranho... vejo com cada coisa!"

Não sei até que ponto estas palavras me tranquilizaram. Acho que nada mesmo. A verdade é que continuo com medo. Sinto-me inseguro. Vulnerável. Ouço ruídos pouco usuais lá fora. Mas também nunca estive em casa sem música ou televisão... por isso também não sei quais são os ruídos habituais mesmo.

"Eles hoje pelo menos já não devem voltar..." - diz um dos vizinhos.
"Olhe que cá para mim isto foi só o início... a seguir somos nós." - diz uma das vizinhas.

O burburinho virou opinião. A troca de opiniões deu aso a conversa. E a vizinhança juntava-se à medida que chegava. E tão depressa tudo começou como terminou. As portas fechavam-se e muitas pessoas jantaram hoje mais tarde que o habitual. E a vida deles normalizou...

A minha porta continua aberta... não consigo fechá-la. Vou tentar ficar acordado.

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