segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Portugaru San

A primeira experiência de que me lembro com o sexo oposto foi no mínimo estranha. Já nem me lembro do nome dela. Lembro-me da rejeição, da humilhação e de ser preterido a favor dele... mas do nome dela, nem por isso. Mas ainda me lembro do que me chamou.

"Chinesinho!!!" - gritou ela. - "Eu não quero brincar com o chinesinho..."

Eu deveria ter os meus 5 ou 6 anos de idade. Nessa altura, as nossas famílias constumavam passar os verões juntas, alternando entre a casa de uns e outros, entre Vilamoura e Vale Navio, entre a nossa casa e a dele. Gostava mais de Vilamoura... mas a piscina dele era bem maior! E foi lá que a conheci... e com tenra idade, a percepção das linhas faciais.

"Realmente o rapaz tem traços chineses. Diz-me meu menino... tens algum familiar chinês?!" - perguntaram-me a dada altura.

A verdade é que não. Não tanto quanto saiba. E não pensem com isto que tal questão me possa afligir. Mas de facto tanto a mãe do meu pai como a minha própria mãe, ambas aparentavam os mesmos traços e certamente foi delas que adquiri os meus. Mas como disse... não, não tinha.

"Chinesinho limpópó!!!" - troçava.

Estávamos agora em 1993. Sentia-me nervoso. E não era caso para menos. Não só era minha tia com também era a primeira vez que ia ao teatro. E tinha medo de não compreender. Tinha medo de com isso a desiludir. Ela que na altura seria das poucas pessoas do lado da família da minha mãe com quem me identificava. Porque era diferente. Porque contra as adversidades da vida havia vingado. Porque a admirava. Porque era inteligente, linda e simpática... e porque era minha tia.

Lembro-me de uma sala escura. De um foco de luz. Uma capela. E no meio da sala lá estava ela. Impávida e serena, a aguardar... o Senhor Portugal em Tokushima.

Hoje em dia não nos falamos. Não por não respondermos aos convites que já não existem. Não por nos ignorarmos nos encontros que não acontecem. Mas porque não nos procuramos.

Às vezes lembro-me dela. Lembro-me da história dos cogumelos frescos e do arroz frito. Lembro-me da minha pequena prima. De um terraço sobre o rio. Lembro-me daquele bar cheio de outros artistas. De quando nos cruzávamos nas imediações da casa da minha avó... e pouco mais. Mas quando me lembro dela, lembro-me de tudo isto...  e lembro-me com carinho. Com pena. Com mágoa.

No outro dia veio à minha memória. Não sei porquê, mas liguei-lhe. O número estava certo. A indiferença na voz que se fez ouvir não. Foi estranho. Não falava com ela há anos. Pensei que fosse ficar contente. Foi uma daquelas trocas de palavras vazias e desprovidas de qualquer pertinência. Palavras de ocasião que servem para nada mais que quebrar o silêncio que as precede. Pergunto-me quem terá abandonado quem. Pergunto-me se deverei deixar certas relações ficarem onde elas pertencem... na nossa memória. Onde apesar de permanecerem felizes espelham nada mais que uma mentira. Outra mentira...

Fiquei triste mas revalidei o que no fundo já sabia. Que trilhamos caminhos diferentes. Que atribuir culpabilidades sobre quem estragou uma relação não só não a trás de volta como também não nos faz sentir melhor. Aconteceu. A relação morreu. E agora resta-me viver com isso... ou esquecer.

Opto por esquecer...

2 comentários:

Anónimo disse...

:) que preciosidade...obrigado por me levares à tua infância.

Acho que todos nós, temos alguém que conhecemos numas férias, se tornaram os melhores amigos/amigas e o verão termina tão rápido como a amizade...desligando-nos e nos verões seguintes nunca se tornaram como aquele.

Abraço

Unknown disse...

A vida é cheia de encontros, desencontros e reencontros...
Com o passar do tempo as pessoas mudam... vão conhecendo mais pessoas e esquecendo outras... isto que sentis-te também já me aconteceu... deixamos de falar com uma certa pessoa, e depois quando voltamos a falar com ela... é estranho, apesar de termos muita coisa para contar... as palavras já não saem com tanta naturalidade, e tornam-se "palavras de ocasião". Tu foste uma pessoa que me marcou... que me fez ver muita coisa... espero nunca me desligar de ti, és um bom amigo, alguém que nunca vou esquecer, alguém com quem as palavras sairão sair sempre com naturalidade :)

Beijos

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