Repliquei ser verdade. Mas pensando melhor, talvez não devesse ter sido tão peremptório na resposta que dei. Não por receio ou vergonha, até porque a subscrevo com relativa facilidade, mas por não ser aquela uma verdade linear.
Uma verdade linear... retiro. Removo. Desaprovo. Por si só já se trata de um contra-senso. A verdade não tem como não ser una e como tal linear. A linearidade aqui não se prendia à verdade mas sim à afirmação que a confrontava. Mas também é preciso analisar o contexto em que tal afirmação surgia. Não se tratava de uma acusação.
"Tá aqui uma colega a falar de signos. Qual é o teu signo?" - havia ela perguntado momentos antes.
Quem me conhece sabe que pouco ou nada ligo a isso, chegando mesmo a fazer troça de quem acredita. Saturado das mil e uma opiniões de quem acredita nos alinhamentos dos astros, nas linhas da vida nas palmas da mão, nos cristais de energias e nas mezinhas e poções de amor e fortuna, respondi-lhe:
"Caranguejo. Serpente. E a que conclusão chegaste?" - perguntei por fim em tom de escárnio.
O primeiro comentário foi sobre o quanto eu me entregava à família. Não é mentira nenhuma. É dos bens mais preciosos que tenho. Principalmente a minha família por criar. Sem a conhecer e é já por quem luto. Mas daí a dizer que tal virtude seja pertença exclusiva daqueles que partilham do mesmo signo que eu... parece-me no mínimo redutor. Muito bem... idiota! Sim aplica-se a mim. Assenta-me que nem uma luva.
Há muitos anos atrás, um amigo meu disse-me algo de que nunca mais me esqueci:
"Como amigo não tens nada a apontar, antes pelo contrário. Não há muitos amigos como tu... mas como namorado és uma besta!" - disse ele.
Muita coisa mudou desde então. Acho que acabou por funcionar como um alerta. Passei a ter mais tento na forma como me expressava. Tentei ser menos arrogante, menos prepotente, mais calmo e sensível às susceptibilidades de quem me rodeava. Há quem diga que falhei. Eu, bom... eu acho que estou bem melhor.
"Hummm... elitista... estou a ver." - disse ela. - "Não, não... mas compreendo."
Desta é que não estava à espera. Não sei o que me confudiu mais. Se ser chamado de elitista ou se ela dizer de seguida que compreendia. Mas sim. Sou de certa forma. Ou melhor. Não me vejo tanto como elitista mas como "seleccionista" se é que tal termo pode ser empregue. Selecciono friamente com quem me quero dar. Selecciono círculos e evito misturá-los. Admito ser em parte calculista na forma subsconsciente com que o faço. Até porque a história me ensinou a não o fazer. Mas como se pode rotular alguém de calculista se o cálculo em si é inconsciente? E como pode ser inconsciente se neste momento, pleno dos meus sentidos, indago?
Gosto de "nichos" sociais. Talvez porque acabem por funcionar como redes de salvação. Para as quais saltamos enquanto outros se desmoronam. Ou porque posso ser várias pessoas. Mas isso também pode ser mau não é? Ser várias pessoas...
Será esta minha defesa a força que me impede de me encontrar? Quantas pessoas sou? Não sei. Sinto que sou várias e contudo cada vez menos. Será que é isso que acontece quando crescemos? Quando amadurecemos? Sermos menos?
E no fim... sermos um?