Nunca tive um cubo de Rubik. Lembro-me do meu irmão ter um e de me terem dado um magic puzzle de Rubik. Parece-me lógico evitar dar a mesma prenda a 2 irmãos. Mas não se resumiu a isso. Sempre fomos diferentes. Ele teve aulas de viola e eu de piano. Ele frequentou aulas de futebol e judo e já eu andava no basket e na natação. Ele tinha um estojo com ilustrações de Fórmula 1 e eu do Moto GP. Ele quis e seguiu Direito e eu quis seguir Engenheria. Até aqui fui diferente ao não seguir nada. Não admira a falta de pontos em comum. Ele casou e teve dois lindos miúdos e já eu... bom, ainda ando a resolver algumas camadas do meu cubo.
Este Natal ofereceram-me um cubo mágico e com ele, uma alusão à vida.
Muitas vezes pensei sobre a vida. Sobre o meu percurso nesta nossa longa caminhada. E verdade seja dita que é dos momentos atribulados que melhor me recordo. Creio que é por serem os momentos mais marcantes. Ou pelo menos para mim foram. E agora que penso nisso, por si só, esta afirmação já diz muito acerca da minha vida. É através dos obstáculos que ultrapassamos, das divergências que fechamos em concordância e dos desafios que falhamos, que aprendemos e crescemos. Sim, também estes últimos, porque não aprendemos apenas com os nossos sucessos mas também com as nossas falhas. Porque a lição raramente se encontra no resultado mas na forma como lá chegamos. Nas alternativas que colocamos. Nas opções em aberto. Na postura com que enfrentámos cada uma delas. No raciocínio. Na pertinácia com que as acatamos.
Não são muitas as pessoas que me conhecem na íntegra. Mas gosto de me dar a conhecer. E sinto cada vez mais essa necessidade à medida que as pessoas se vão tornando mais importantes para mim.
"O quê? A sério? Não sabia... e tens seguido isso ou tenho de te dar um par de estalos?" - disse ele.
Gosto de conhecer pessoas. E para isso procuro gerar oportunidades que me levem a conhecê-las um pouco melhor. De promover convívio. Sem expectativas. Não é disso que se trata. Não procuro um fim mas sim um meio. E vivo e tento viver uma coisa de cada vez. Quem me conhece sabe isso. Quem não me conhece só vai compreendê-lo depois de me conhecer. Para me conhecer de facto... vai ter mesmo de querer.
E nestes momentos, encaixamos mais uma peça no seu lugar. Não sabemos se ela está no seu lugar certo nem até quando lá permanecerá. Se vamos precisar de mudá-la de sítio. A importância daquela peça é relativa. Apenas se pode medir no seu próprio tempo e espaço e a sua constância passa para segundo plano. O que faz sentido hoje poderá não fazer amanhã. Não existe linearidade na forma como resolvemos o cubo. O cubo é orgânico. Vive. E cada passo que damos representa um novo passo no interminável mar de possibilidades para uma potencial solução e abre-se um infindável leque de novas opções. Num universo tridimensional que conta também com a 4ª dimensão para a chegada da solução.
A própria forma como jogamos com o cubo muda consoante a nossa idade, a nossa experiência e acima de tudo, a forma como apreciamos o jogo em si. Fosse mais novo e estaria tentado em fazer batota. Poderia procurar um guião que me ajudasse. Poderia dar a alguém que o jogasse por mim. Ou poderia até desmontar o cubo e montá-lo de novo a meu proveito. Às vezes cedemos e desistimos. Queremos respostas. Ansiosos por entrar naquela última camada, procuramos caminhos rápidos e fáceis. Fazemos batota. Hoje em dia jogo-o com outro olhar. Mais sereno. Mais calmo. Mais calejado. Gosto de jogá-lo e não tenho pressa em chegar ao fim.
Sim, tem várias cores. Sim tem várias soluções possíveis. Ou melhor. Diversas equações para uma única solução possível. Porque solução existe apenas uma. Aquele momento em que numa última rotação conseguimos colocar as 6 faces homógeneas. É esse o seu desfecho. É esse o desfecho da vida. E como não é nessa única certeza que temos na vida que reside a nossa alegria, então podemos apenas assumir que os prazer de viver se encontra nessas equações. Nesse caminho a percorrer. Nos tais obstáculos que existem não para nos assustar nem para gerar receio mas apenas para nos testar e recordar o porquê de estarmos ali. Para nos lembrar que merecemos estar à altura.
Sou paciente. Sei esperar. Sei lutar pelo que quero. A vida ensinou-me isso e muito mais. Ensinou-me também que a aprendizagem nunca cessa. Que as desilusões e as frustrações nunca terminam mas que não devemos desistir por medo de passar por elas. Nem o medo de falhar. Tornam-nos mais fortes. E enquanto experiências de vida enriquecem-nos e permitem-nos saborear de outra forma todas as outras alegrias. Já há muito tempo que deixei de ter medo. Que aprendi que sou eu quem determina o meu destino.
O medo não é a linha ténue entre os obstáculos e a minha realização pessoal. É a experiência. É a dualidade entre a vontade e perseverança face à história e ao cansaço. É a experiência que acarreta o pragmatismo. Que mata a cor e que deambula em graus de cinzento. E é essa luta constante que se confunde com a falta de vontade genuína. Que assume outras caras. Que confunde.
Comecei a jogar. É uma primeira camada do jogo. Conquistar uma face. O quadrado branco. Depois disso logo se verá.
Na vida só há uma certeza. A solução. Se esse grau de incerteza pode ser caracterizado como esperança? Duvido. Esperança requer fé. E não necessito de fé para com convicção afirmar que a vida é incerta. Que a esperança me ajude a viver com essa incerteza? Isso sim... concordo.
Infelizmente nem tudo na vida é comparável ao cubo. Tento jogá-lo bem, apreciando cada rotação e não me focando tanto em terminar.